Bolseiros encenam “fuga de cérebros” no aeroporto da Portela

Bolseiros en­ce­nam “fu­ga de cé­re­bros” no ae­ro­por­to da Portela 

 In Lusa, 24 de Julho 2006

    A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) en­ce­nou ho­je uma “fu­ga de cé­re­bros” no ae­ro­por­to de Lisboa pa­ra cha­mar a aten­ção pa­ra a “pre­cá­ria si­tu­a­ção” de al­guns in­ves­ti­ga­do­res portugueses.

    Intitulada “Fuga de Cérebros com Talento”, a ini­ci­a­ti­va pre­ten­de “aler­tar pa­ra a si­tu­a­ção dos 8.500 a 9.000 bol­sei­ros, mui­tos dos quais se man­têm co­mo tal du­ran­te anos, sem nun­ca ad­qui­ri­rem o es­ta­tu­to de tra­ba­lha­do­res”, afir­mou André Levy, da di­rec­ção da ABIC.

    A ABIC in­di­ca no seu si­te que, quan­do um bol­sei­ro tra­ba­lha sem ter es­ta­tu­to ju­rí­di­co de tra­ba­lha­dor, “não tem di­rei­to a um re­gi­me de se­gu­ran­ça so­ci­al ple­no, nem pa­ga IRS”, fi­can­do nu­ma con­di­ção que equi­va­le à de “tra­ba­lha­dor ilegal “.

    Uma si­tu­a­ção que “afec­ta so­bre­tu­do bol­sei­ros das Ciências Naturais e Físicas, mas tam­bém de Economia e de Ciências Sociais, co­mo a Antropologia, a Sociologia e as Ciências Políticas”, re­ve­lou André Levy à agên­cia Lusa, su­bli­nhan­do a gra­vi­da­de da situação.

    “Existem mes­mo dou­to­ran­dos com bol­sa que não con­se­guem con­cluir o grau aca­dé­mi­co por­que gas­tam gran­de par­te do tem­po a exer­cer ta­re­fas va­ri­a­das nas uni­da­des de in­ves­ti­ga­ção e nos la­bo­ra­tó­ri­os do Estado, ca­so do Instituto Tecnológico e Nuclear”, cri­ti­cou o res­pon­sá­vel con­tac­ta­do pe­la Lusa.

    Segundo André Levy, que tem 34 anos e se dou­to­rou em Biologia Evolutiva nos Estados Unidos, “o pro­ble­ma são as fal­sas bol­sas”, bol­sas sem pra­zo de­fi­ni­do, “que se vão pro­lon­gan­do no tem­po”, en­quan­to os es­tu­dan­tes fun­ci­o­nam co­mo “um re­cur­so qua­li­fi­ca­do a bai­xo custo”.

    Os bol­sei­ros re­pre­sen­tam “mais de um ter­ço da for­ça de tra­ba­lho ci­en­tí­fi­ca” mas, en­quan­to não fo­rem re­co­nhe­ci­dos co­mo tra­ba­lha­do­res, “re­ce­bem mui­to me­nos do que co­le­gas que in­te­gram os qua­dros das ins­ti­tui­ções, ape­sar de te­rem as mes­mas ou mais ha­bi­li­ta­ções”, sa­li­en­ta a Associação dos Bolseiros.

    Registam-se ain­da ou­tras si­tu­a­ções ile­gais, co­mo o fac­to de al­gu­mas bol­sei­ras em de­ter­mi­na­das uni­da­des de in­ves­ti­ga­ção não re­ce­be­rem du­ran­te a li­cen­ça de par­to, o que con­tra­ria as cláu­su­las que cons­tam da atri­bui­ção da bolsa.

    De acor­do com o res­pon­sá­vel da di­rec­ção da Associação dos Bolseiros, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e a Fundação pa­ra a Ciência e a Tecnologia, “com os quais a ABIC tem man­ti­do diá­lo­go pa­ra re­sol­ver os vá­ri­os pro­ble­mas dos bol­sei­ros”, de­ve es­for­çar-se pe­lo cum­pri­men­to da Carta Europeia do Investigador.

    Este do­cu­men­to re­co­men­da que se­jam ofe­re­ci­das con­di­ções aos in­ves­ti­ga­do­res, de for­ma a cri­ar uma Europa com­pe­ti­ti­va na área da in­ves­ti­ga­ção e do desenvolvimento.

    Porém, “ape­sar de Mariano Gago ter afir­ma­do em Maio que irão ser con­tra­ta­dos 1.000 dou­to­ra­dos com mais de três anos de ex­pe­ri­ên­cia en­tre 2007 e 2008, a me­di­da ain­da fi­ca mui­to aquém das ne­ces­si­da­des”, afir­mou André Levy, bol­sei­ro de pós-doutoramento.

    “Além dis­so, o pú­bli­co-al­vo de­fi­ni­do pe­la tu­te­la é mui­to res­tri­to, e exis­tem in­ves­ti­ga­do­res nou­tras cir­cuns­tân­ci­as que tam­bém ne­ces­si­tam de um vín­cu­lo la­bo­ral es­tá­vel”, as­si­na­lou, des­ta­can­do que “os bol­sei­ros têm, em mé­dia, en­tre o s vin­te e mui­tos e os trin­ta e pou­cos anos, ida­de em que pre­ci­sam de re­sol­ver a sua vida”.

    Os bol­sei­ros têm tam­bém en­fren­ta­do atra­sos nos pa­ga­men­tos das men­sa­li­da­des, o que le­vou João Freire, bol­sei­ro de in­ves­ti­ga­ção da Estação Florestal Nacional há qua­se uma dé­ca­da, a de­nun­ci­ar o ca­so em Junho pas­sa­do, unin­do os três pó­los de in­ves­ti­ga­ção do país – Porto, Aveiro e Lisboa – nu­ma cor­ri­da de bi­ci­cle­ta em jei­to de protesto.

    O acu­mu­lar de di­fi­cul­da­des tem, se­gun­do a ABIC, le­va­do a que “mais de 20 por cen­to dos qua­dros qua­li­fi­ca­dos por­tu­gue­ses” aban­do­nem o país pa­ra pro­cu­ra­rem no es­tran­gei­ro “um em­pre­go com sa­lá­rio dig­no, com­pa­tí­vel com as su­as habilitações”.

    “Quando os in­ves­ti­ga­do­res na­ci­o­nais que­rem fa­zer car­rei­ra lá fo­ra por li­vre op­ção, tu­do bem, mas exis­tem mui­tos que gos­ta­ri­am de tra­ba­lhar no seu país e se vêem obri­ga­dos a par­tir por fal­ta de con­di­ções, o que é uma pe­na”, la­men­tou André Levy.