A ABIC tem vindo a registar um número crescente de situações em que os bolseiros de investigação são coagidos ou obrigados a prestar serviço docente não remunerado em instituições de Ensino Superior. Embora esta realidade não seja nova, ela tornou-se mais evidente nos últimos dois anos, devido ao facto de algumas das principais Universidades do país terem instituído e regulamentado esta prática. De facto, a ABIC deparou-se em 2010 e 2011 com um conjunto de documentos legais emanados dos órgãos de gestão das universidades que tentam de alguma forma dar cobertura legal ao recurso a bolseiros para prestação de serviço docente sem contrapartida remuneratória. Em geral, estas iniciativas visam assegurar a prestação deste serviço de forma continuada no tempo, com cargas horárias significativas e com obrigações equivalentes às de docentes enquadrados nas respectivas carreiras mas sem qualquer enquadramento jurídico-laboral que permita o reconhecimento efectivo do trabalho realizado, a sua contagem como tempo de serviço na carreira ou quaisquer outras regalias sociais que são inerentes ao exercício da actividade docente.
Em devido tempo, a ABIC interveio junto dos organismos responsáveis das instituições alertando para a potencial ilegalidade e para os efeitos perversos desta prática, quer a nível da qualidade do serviço docente, quer a nível das carreiras docentes. Nesse sentido, o primeiro contacto estabelecido pela nossa associação foi efectuado em Abril de 2010 no âmbito do processo de consulta pública do Projecto de Regulamento de Prestação de Serviço Docente da Universidade de Lisboa (UL) que contemplava a atribuição de serviço docente sem remuneração aos bolseiros de investigação. A ABIC emitiu um parecer sobre aquela proposta de Regulamento e participou em reuniões com o Reitor da UL onde teve a oportunidade de expor a sua posição.
A Universidade de Aveiro (UA) foi outra instituição que tomou recentemente a decisão de promover o recurso a bolseiros de investigação e investigadores contratados para exercício de funções docentes sem remuneração, através de um Despacho do Conselho Científico da Universidade emitido em Junho de 2010 e também pela inclusão de cláusulas nesse sentido na proposta de Regulamento de Bolsas de Investigação Científica da UA. Também neste caso, a ABIC interveio, através do seu núcleo local de bolseiros (NBIUA), tendo reunido com o Vice-Reitor da UA para os Assuntos da Investigação e, posteriormente, elaborado um parecer sobre o assunto, bem como uma proposta de alteração detalhada daquele Regulamento, que foi entregue durante o período de consulta pública.
Na sequência destes acontecimentos, e observando a tendência para a generalização destas práticas a nível nacional, a ABIC emitiu um comunicado onde tornou pública a sua posição sobre o assunto, que se encontra disponível em: http://www.abic-online.org/documentos/comunicados/comunicadodocencia.pdf
Os dois casos acima referidos ilustram bem a realidade das práticas institucionais actualmente em curso. Ambas as universidades mencionadas tentaram regulamentar, através de instrumentos normativos bastante diferentes (num caso um Regulamento do Serviço Docente, no outro um Regulamento de Bolsas de Investigação) uma prática que já vinha sendo adoptada, embora sem qualquer enquadramento jurídico. Em ambos os casos, as Universidades tomaram a decisão de enquadrar estas medidas em termos jurídicos sem acautelar devidamente os princípios estabelecidos na legislação nacional em vigor que deveria informar todo este processo – o Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) e o Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI). Em ambos os casos descritos existe um saldo positivo resultante da intervenção da ABIC e também de outros importantes agentes deste sector como o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) com quem a ABIC tem mantido um contacto estreito sobre estas matérias: ambos os regulamentos foram alterados na sequência das nossas intervenções, retirando a obrigatoriedade explícita ou implícita de prestação do serviço docente por parte dos bolseiros. No entanto, os regulamentos referidos continuam a prever essa possibilidade, o que em nosso entender levará inevitavelmente à adopção dessas práticas, sobretudo por razões financeiras, como já está a acontecer.
As motivações financeiras têm sido, em nossa opinião, a única motivação para estas decisões das universidades. Vários argumentos alternativos têm sido apresentados pelos responsáveis universitários para a atribuição do serviço docente aos bolseiros nestas condições, de forma nada convincente. A ABIC tem salientado que, independentemente do interesse de que isso se possa revestir para os bolseiros, a prestação do serviço docente deve ser sempre facultativa, remunerada e enquadrada na legislação laboral em vigor. Acima de tudo, o recurso aos bolseiros para este fim não deve pôr em causa os planos de trabalho que são financiados pelas respectivas bolsas. O que verificamos em diversos regulamentos universitários é que nenhuma destas condições é acautelada. Somos, portanto, de opinião que esta tendência consubstancia diversas irregularidades em termos institucionais, incorrendo em ilegalidades face ao actual ECDU e EBI. Consideramos que ela é indesejável sob todos os pontos de vista, embora possa parecer atractiva no curto prazo, do ponto de vista financeiro das instituições e do ponto de vista dos bolseiros que acreditam vir a enriquecer os seus curricula desta forma e assim verem potenciadas as suas possibilidades de aceder ao mercado de trabalho num futuro mais ou menos próximo.
Tendo em vista mobilizar os bolseiros, alertando-os para esta situação, e promover a sua discussão com os diversos actores do sistema de ensino superior, a ABIC decidiu promover conjuntamente com o SNESUP um conjunto de reuniões de esclarecimento e debate em algumas universidades do país. Para estes encontros foram convidados a estarem presentes os respectivos representantes institucionais (Reitores ou Vice-Reitores). As primeiras reuniões com bolseiros e investigadores decorreram simultaneamente em Lisboa e em Aveiro, a 17 de Novembro de 2010. A terceira reunião decorreu no Porto a 15 de Dezembro desse ano, tendo contado com a participação do presidente da Associação Nacional de Investigadores em Ciência e Tecnologia (ANICT) e do Vice-Reitor para os Assuntos da Investigação da Universidade do Porto.
Para além das Universidades de Aveiro e de Lisboa, a atribuição de serviço docente ou equiparado, não remunerado, tem vindo a ser regulamentado tanto quanto é do nosso conhecimento, nas seguintes instituições: Universidade dos Açores, Universidade de Coimbra, Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Porto, Universidade Técnica de Lisboa. A ABIC reconhece a intervenção dos dirigentes de algumas destas instituições no sentido de regularizar a situação laboral de todos os que prestam serviço docente e brevemente fará um resumo actualizado desta situação dando ênfase aos casos de boas práticas institucionais.
Por se considerar que este é um assunto de interesse nacional, que terá repercussões sérias na qualidade da investigação e do ensino ministrado nas instituições nacionais de Ensino Superior, foi enviado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em 10 de Dezembro de 2010, um pedido de reunião conjunta para abordar especificamente esta temática. Esta proposta de reunião, elaborada inicialmente pela ABIC e pelo SNESUP, foi também subscrita pela Secção do Ensino Superior da FENPROF após uma reunião das três organizações. Contudo, não houve qualquer resposta da parte do MCTES a este pedido de reunião.