O Decreto-Lei 57/2016 (DL57) que aprova a contratação de doutorados, dando-lhes efectivamente um contrato de trabalho em vez do Sistema de Bolsas onde têm vivido nas últimas décadas (o Estatuto do Bolseiro deu os primeiros passos em 1989 e tem já uma longa história de modificações – http://www.otc.pt/index.php…), foi aprovado a 29 de Agosto de 2016. Numa possível tentativa de repôr direitos nunca antes tidos, o mesmo DL definiu um regime obrigatório de contratação no prazo de 1 ano, vulgo Norma Transitória (artigo 23º), dos bolseiros doutorados que o fossem há mais de 3 anos. A possibilidade de integração na Carreira de Investigação Científica veio apenas a ser incluída aquando da apreciação parlamentar que levou à Lei 57/2017, de 19 de Julho de 2017, bem como o total financiamento da FCT aos bolseiros doutorados que até então tinham sido financiados directa ou indirectamente por esta – a larga maioria – retirando este encargo às instituições. Estipulou-se ainda a existência de dois novos prazos para abertura de concursos para contratação de doutorados: 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Agosto de 2018, consoante o completar dos períodos de 3 anos enquanto doutorados.
No entanto, desde o seu primeiro dia, o DL57 encontrou resistência nas instituições de I&D e no Conselho de Reitores (CRUP) (vejam-se os discursos dos reitores de Coimbra e Lisboa, Universidade Públicas não Fundacionais e por isso com obrigatoriedade de contratar por 6 anos e, após esse período, ter de fazer concursos para carreira) que manifestaram o seu forte desagrado em ter de contratar investigadores quando até agora os tinham “a bolsas” e, por isso, tendo com eles menor número de encargos financeiros. Após quase ano e meio da lei do emprego científico, poucos concursos foram abertos ao abrigo do DL57. Em vez disso, pelo menos 1 em cada 4 bolseiros doutorados (*) viram as suas bolsas terminar, esperando a abertura sempre anunciada para breve dos concursos que as instituições se recusavam a abrir desculpando-se com a falta de regulamentação do MCTES. Para fazer face a esta realidade, o ministro Manuel Heitor, Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) declarou recentemente na Assembleia da República, a 14 de novembro, aquando da audição para o Orçamento de Estado, e em resposta à deputada Ana Mesquita do PCP, que deu «orientações expressas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia que no quadro do financiamento plurianual às unidades de investigação se deveria resolver todos os casos de eventuais bolseiros que acabassem a bolsa entretanto e pelo facto de os concursos não estarem abertos para terem o financiamento necessário para não serem de maneira nenhuma prejudicados por atrasos pontuais na abertura dos concursos. (.…) Qualquer que seja o investigador que a sua bolsa termine nos prazos curtos que não possam ter aberto concursos devido a processos regulamentares a FCT tem orientações claras para garantir, através do financiamento plurianual às unidades, o estabelecimento das condições até à abertura dos concursos.” (sic, aqui: http://www.canal.parlamento.pt/…)
A Associação de Bolseiros de Investigação Científica questionou directamente a FCT, bem como o MCTES, a respeito destas orientações expressas, já que até então não houve qualquer divulgação das mesmas: quando foram feitas e se houve divulgação junto das instituições de I&D, reponsáveis pela abertura dos concursos. Em respostas enviadas por mail pela FCT, quando questionada por vários bolseiros, pode ler-se uma citação referindo que “As unidades de I&D poderão através do reforço de financiamento que vai ser atribuído para 2018 acomodar algumas situações transitórias, através da atribuição de BIs ou BCCs, tendo sempre presente o cumprimento do Regulamento de Bolsas e do no Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), quanto à duração máxima permitida.” (sic), mas não esclarecendo se informou as instituições desta possibilidade, quem formulou esta solução nem quando foi a mesma articulada. Às questões colocadas pela ABIC, a FCT ainda não respondeu.
Salientamos que, a solução apresentada não deixa de levantar outras questões. De facto, os colegas, por exemplo, cuja bolsa de pós-doutoramento (BPD) acabou ao fim de 6 anos, não poderão renovar a mesma porque atingiram a “duração máxima permitida” no Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) e no Regulamento de Bolsas FCT. No entanto, a recorrência a um novo concurso para bolsa de investigação (BI) ou para bolsa de cientista convidado (BCC) para acomodar as situações em que as bolsas de doutorados cessaram implica também o cumprimento de uma série de prazos e estabelece mais um período de espera. Pelo que não se entende porque razão esta medida não foi divulgada de forma explícita mais cedo.
Para agravar a situação, e esclarecer talvez porque não foi esta orientação divulgada mais cedo, a resposta do MCTES à ABIC, sem nunca clarificar em que altura foram dadas as orientações à FCT, anexa um Despacho enviado à FCT em que refere: “recomenda-se que a FCT I.P. adote a orientação estratégica de garantir a elegibilidade das despesas que permitam às instituições alcançar as soluções adequadas ao financiamento dos doutorados cuja relação contratual tenha, entretanto, cessado.”, com a assinatura digital de 27 de Novembro de 2017. Esta data frusta a ideia dada na Assembleia que as orientações tinham sido feitas anteriormente. Mais ainda, a referência a esta “orientação estratégica” implica um adiantamento de fundos por parte das instituições, que neste momento se encontram a poupar para os primeiros meses de 2018, uma vez que a avaliação ainda não está feita e o financiamento posterior depende desta. Ou seja, as instituições que não têm dinheiro não poderão ter esta despesa.
Perante todos estes factos, a ABIC expressa veementemente o seu descontentamento pela forma como as questões do emprego científico têm sido tratadas, por desresponsabilização do MCTES, por incompetência da FCT, por falta de vontade dos dirigentes da instituições de I&D. A ABIC exige respeito pelos trabalhadores científicos e que o DL 57 seja aplicado sem mais demora. Chega de trapalhadas.
(*) fonte: inquérito realizado pela ABIC em Outubro-Novembro de 2017