O Concurso de Estímulo ao Emprego Científico (CEEC) surgiu no âmbito do mais recente enquadramento legal para doutorados que visa contratualizar os investigadores como trabalhadores sem, contudo, os integrar nas carreiras. No entanto, já na terceira edição, não parece conseguir escapar às fragilidades do seu antecessor “Investigador FCT”. De facto, a não ser a base de um enquadramento legal que finalmente é laboral — mas apenas para doutorados —, nada acrescenta e revela-se mesmo uma resposta insuficiente — e igualmente precária — que mais não consiste senão numa medida paliativa construída propositadamente à margem das carreiras e do direito ao trabalho com condições dignas. Depois de dois concursos com taxas de aprovação baixíssimas e atrasos de largos meses na abertura e publicação dos resultados, chegamos a 2020 para uma aguardada abertura da terceira edição do CEEC — de 2019 —, que agora encerra, momento em que os milhares de candidatos não colocados no CEEC 2018 e 2017, os que não viram o concurso da Norma Transitória e que o seu lugar dava origem, bem como aqueles que entretanto concluíram os seus doutoramentos, poderão tentar aceder a um contrato de trabalho a termo (certo ou incerto). No entanto, o único termo certo do debate para a ABIC é a urgência de uma estratégia científica que passe pela valorização do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, pela efectiva integração de todos os trabalhadores científicos nas respectivas carreiras e pela revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação.
É de salientar que a edição de 2019 do CEEC apresentou novas regras face aos concursos anteriores que mais do que facilitar pareceram vir apenas acrescentar dificuldades. Primeiro, passou a definir-se como critério que quem concluiu o doutoramento há mais de cinco anos não se pode candidatar à posição de “Investigador Júnior”. Em abstrato, tal medida aparenta visar aumentar as possibilidades de acesso a um contrato de trabalho para quem está em início da carreira pós-doutoral mas, em concreto, traduz-se num maior obstáculo à candidatura de tantos outros investigadores, dada a excessivamente simplista ligação que agora se faz entre o tempo decorrido desde o Doutoramento e a “maturidade” da carreira. Torna-se evidente — se antes não o fora — que o Governo PS e seu Ministro Manuel Heitor defendem uma política científica assente numa lógica de pirâmide, ditando que haverá menos oportunidades para quem está na investigação há mais tempo, contrária à lógica de uma carreira na qual se pode progredir. Fica aqui implícito que só pode permanecer na investigação quem subir de “categoria”, caso contrário fica-se sem saída. Estamos, deste modo, a testemunhar a consolidação de um (sub)sistema de lógica autofágica que não pode ser contrariado fechando oportunidades a quem agora conclui o seu doutoramento, ou a doutorados há mais tempo, mas antes alargando a possibilidade de progressão à medida que os percursos de investigação vão avançando. Em segundo lugar, ficou claro que suspensões por motivos de doença ou licenças de maternidade ou de paternidade não são contabilizados para o cálculo dos 5 anos após doutoramento para “Investigador Júnior”. Ora, é entendimento da ABIC que esta medida constitui uma grave política discriminatória implementada pela FCT, desfasada com as políticas de incentivo à parentalidade e mesmo de períodos considerados em prestigiados concursos europeus (e.g. financiamento via European Research Council) e a ABIC tudo fará para a denunciar e resolver.
Em suma, todos os bolseiros e investigadores contratados a prazo devem manter-se unidos na luta pela integração e valorização das carreiras. O caminho para uma investigação digna passa por melhorar a condição de trabalho para todos. A FCT e o MCTES continuarão a arranjar formas, no decorrer deste e de outros processos, de beneficiar um tipo de candidatos em prejuízo de outros consoante a orientação científica e as metas a atingir, orientações e metas essas estipuladas pela própria tutela, beneficiando sempre o recurso à mão de obra precária em detrimento da estabilidade das pessoas que diariamente construíram, constroem e construirão o SCTN. Nenhum trabalhador científico — doutorado ou não doutorado — deveria depender de constantes candidaturas a programas de financiamento para poder continuar a pagar as suas contas, permanecer “empregado” (ainda que com uma bolsa), e a contribuir para a produção científica e para os rankings das suas instituições. Mas, uma vez mais, deparamo-nos com a continuidade de situações precárias no SCTN. Por isso, independentemente da heterogeneidade dos percursos, o caminho continua a ser um: a luta em uníssono.