A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) reuniu no dia 9 de Fevereiro com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Da ordem de trabalhos constaram um conjunto de problemas derivados do actual contexto pandémico, mas também problemas mais gerais relacionados com a organização do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN).
1. Prorrogação de bolsas e contratos por impedimento ou constrangimentos derivados das actuais medidas de combate à pandemia.
A FCT indicou que a medida está a ser avaliada e depende de suporte legal, sem poder antecipar mais informação. No entanto, tal como em 2020, qualquer decisão de prorrogação das bolsas contemplará apenas as directamente financiadas pela FCT. Relativamente aos projectos, mantém-se o pressuposto da prorrogação para a apresentação dos resultados e possibilidade de transição de verbas entre rubricas para alocação em recursos humanos, mas não uma dotação excepcional para prorrogação das bolsas e dos contratos em curso.
É entendimento da ABIC que a resposta imediata de compensação dos constrangimentos ao curso normal dos planos de trabalho passa pela prorrogação de todas as bolsas e contratos a termo, correspondente ao período em que vigorarem as medidas de confinamento e de encerramento de infraestruturas essenciais para investigação, independentemente do tipo de financiamento (directo ou indirecto).
2. Prorrogação dos concursos CEEC e Projectos.
A ABIC reforçou a necessidade de adiamento dos prazos para submissão de candidaturas aos concursos CEEC Individual (4ª Edição) e Projectos de IC&DT em todos os domínios científicos 2021, salientando a dificuldade que muitos investigadores estão a sentir para conciliar a preparação de candidaturas tendo menores a seu cuidado. A FCT respondeu que este adiamento está fora de questão e que o calendário estava definido com antecedência, indicando que o que levou ao adiamento dos concursos em 2020 foi a então inédita e inesperada situação derivada da pandemia.
Numa situação pandémica em que mesmo o Governo e quem o aconselha é surpreendido pela evolução repentina das condições epidemiológicas, a ABIC entende que a imutabilidade do calendário não pode ser justificação para não adaptar os prazos à realidade e que, ao contrário do que seria desejável, não existe uma suposta adaptação à reiterada “nova normalidade”, mas antes uma deterioração das condições de trabalho, cada vez mais difícil de gerir.
Ainda relativamente ao concurso para Projectos IC&DT 2021, a ABIC questionou a FCT relativamente à decisão de atribuir 1 ponto de valorização aos IRs com contrato ao abrigo do CEEC. A FCT respondeu que foi uma decisão que procurou ir ao encontro de algumas reivindicações da comunidade, considerando que os investigadores com CEEC passaram por um processo de avaliação altamente competitivo que deve ser valorizado. A ABIC considera que esta decisão não só vai contra o princípio da igualdade, como revela uma leitura totalmente desvirtuada dos concursos CEEC. Relembramos que, apesar de cerca de 50% dos candidatos na última edição do CEEC Individual terem sido avaliados acima do limiar de “mérito” estabelecido pela própria FCT (8 pontos em 10), as taxas de aprovação rondaram os 8%. Assim, não pode ser uma qualquer concepção de mérito que norteia a avaliação das candidaturas e, por isso, não é admissível que a resposta seja a desvalorização dos cerca de 90% de investigadores que, anualmente, ficam de fora destes concursos, incluindo todos os avaliados acima do limiar de “mérito” da FCT. Por outro lado, entendemos que esta é uma medida que confunde as reivindicações da comunidade científica porque pretende aproximar-se, sem sucesso, do modelo do Investigador FCT, que previa verbas para a investigação. Ora, deste ponto de vista, seria expectável uma dotação dos concursos CEEC para o desenvolvimento de projectos de investigação, de facto, e não a tentativa de colmatar esta lacuna através dos concursos FCT para Projectos IC&DT, na prática desvalorizando não só todos os candidatos que não tiveram sucesso nos CEEC, como todos os restantes membros da comunidade científica.
Sobre as audiências prévias e a impossibilidade de submissão de uma candidatura passada que esteja ainda em análise, a FCT fez saber que os resultados sairão antes do prazo para a submissão de candidaturas.
Entendemos que este conjunto de medidas, com todas as dificuldades que acarretam, acabam por potenciar a desistência dos investigadores de possíveis candidaturas, aumentando ficcionalmente as taxas de aprovação.
3. Exclusividade e participação em Projectos IC&DT
A ABIC continua a receber denúncias de pedidos de cessação de participação em Projectos IC&DT como condição para a contratualização ou renovação de uma bolsa (mesmo quando a participação se faz de forma não remunerada). Tal motivou por parte da ABIC o lançamento de um inquérito sobre esta situação no princípio deste mês, pelo que se voltou a questionar a FCT a este respeito, exigindo uma clarificação de procedimentos. A FCT indicou que a participação em Projectos de IC&DT não interfere na condição de exclusividade, desde que não coloque em causa a execução do plano de trabalhos nem vá contra os princípios estabelecidos no artigo 5º do Estatuto do Bolseiro de Investigação.
De facto, esta foi a resposta que a FCT deu a um e-mail por parte da ABIC com pedido de esclarecimentos a este respeito. No entanto, os resultados do questionário, apesar de darem conta de casos que se resolveram com a emissão de uma declaração de compromisso (sem haver obrigatoriedade de cessar a participação em projectos), dão igualmente conta de casos em que foi exigida a cessação de participação em Projectos de IC&DT quando não havia lugar a remuneração, pelo que fica em aberto esta dualidade de procedimentos. Tal como anteriormente, a ABIC voltou a apelar junto da FCT para que haja uma maior sensibilização para este constante entrave à vida e à participação científica dos bolseiros e investigadores. Tendo em conta esta informação, a ABIC pede a todos os bolseiros confrontados com esta situação que nos dêem conhecimento, por forma a que possamos reportar o caso. O formulário para preenchimento encontra-se aberto para situações futuras que venham a surgir (em https://forms.gle/J1uoCSDyCg9cBfga6).
4. Actualização anual do valor das bolsas
A ABIC questionou a FCT sobre a actualização do valor das bolsas «tendo em consideração o valor da Retribuição Mensal Garantida» (sic), presente no Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT. A FCT garantiu que o processo está em curso e que os seus serviços estão correntemente a tratar dos procedimentos, não havendo ainda previsão para a actualização.
A ABIC considera que a FCT deve ser a primeira a cumprir o Regulamento que a própria aprovou, estando já em atraso relativamente ao dia 31 de Janeiro do corrente ano, data prevista para a determinação da actualização do valor das bolsas (artigo 18.º, n.º 2).
5. Outros assuntos
A ABIC abordou ainda outros pontos junto da Direcção da FCT:
a) Exigência de residência permanente: destaca-se o problema de, no caso de candidatura a bolsa mista, ser pedido um título de residência permanente em Portugal, situação que dificulta o acesso a esta tipologia de bolsa a cidadãos de nacionalidade não portuguesa que, ainda que a habitar de forma permanente em Portugal, não conseguiram obter o título de residência permanente. Não tendo sido resolvida a questão, a ABIC sente a necessidade de aprofundar o debate em torno deste problema no futuro;
b) Concurso FCT-AKDN 2019: foi indicado que os resultados sairão ainda este mês;
c) Período para contratualização: foi feito um apelo para que os pedidos de assinatura de contrato após os 90 dias regulamentares possam ser mais facilmente concedidos nas situações em que o candidato que tiver obtido aprovação no concurso se encontre a finalizar um outro contrato ainda vigente. Este problema manifesta-se, maioritariamente, em situações em que o investigador se encontra a concluir um contrato na fase final de Projecto.
A ABIC considera que, para além da manifesta insuficiência das respostas dadas pela FCT, está em causa uma visão estratégica para a ciência que não procura investir nem apoiar os trabalhadores científicos. Ainda que exista um problema de subfinanciamento crónico, não advém daí o principal obstáculo ao investimento nas pessoas e à desburocratização dos processos. Mantém-se na FCT a ideia de que os concursos são justos, sob a falsa premissa da meritocracia e de uma pretensa vontade de descentralizar tanto o financiamento como a contratualização via FCT para outros programas. A ABIC entende que um caminho dirigido por visões utilitaristas da ciência, olhando para o investigador como responsável último pela sua precariedade, sem considerar todo o contexto que o rodeia, é precisamente uma das principais causas dos actuais problemas da investigação científica em Portugal.
Mantém-se actual a luta de sempre da ABIC por melhores condições para todos os trabalhadores científicos, a luta pela revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação, a luta pela integração de todos em carreiras dignas e com direitos – a luta em que estamos todos e em que contamos com todos.