Carta Aberta ao Ministro Manuel Heitor

A ABIC es­cre­veu uma car­ta aber­ta ao Senhor Ministro Manuel Heitor, em res­pos­ta à en­tre­vis­ta que es­te con­ce­deu ao jor­nal Público no pas­sa­do dia 1 de Fevereiro. Convidamos to­dos a as­si­nar a car­ta, bas­tan­do pa­ra is­so cli­car aqui.

 

Exmo. Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Professor Manuel Heitor

No pas­sa­do dia 1 de fe­ve­rei­ro, o jor­nal Público pu­bli­cou uma en­tre­vis­ta ao Ministro Manuel Heitor (MMH) [https://​www​.pu​bli​co​.pt/​2​0​1​9​/​0​2​/​0​1​/​c​i​e​n​c​i​a​/​e​n​t​r​e​v​i​s​t​a​/​n​a​o​-​d​u​v​i​d​a​-​n​e​n​h​u​m​a​-​h​a​-​p​l​e​n​o​-​e​m​p​r​e​g​o​-​d​o​u​t​o​r​a​d​o​s​-​1​8​6​0​009]. As res­pos­tas da­das pe­lo MMH ao jor­na­lis­ta do Público, Samuel Silva, mos­tram que o MMH con­fun­de o anún­cio com a con­cre­ti­za­ção, vi­ven­do nu­ma re­a­li­da­de al­ter­na­ti­va àque­la que tu­te­la e pe­la qual é res­pon­sá­vel, on­de o prog­nós­ti­co se con­fun­de com o fi­nal do jo­go. Vejamos:

Dos 5000 con­tra­tos pa­ra dou­to­ra­dos pro­me­ti­dos pa­ra es­ta le­gis­la­tu­ra só ain­da fo­ram for­ma­li­za­dos 1500. De acor­do com os da­dos do Observatório do Emprego Científico do dia 22 de ja­nei­ro de 2019, a 8 me­ses do fim da le­gis­la­tu­ra, ain­da es­tão por ce­le­brar mais de 4000 con­cur­sos pa­ra doutorados.

Perante es­te ce­ná­rio, não ter dú­vi­das de que “há ple­no em­pre­go en­tre os dou­to­ra­dos” é uma afron­ta. É uma afron­ta por­que em con­sequên­cia di­re­ta da sua má ges­tão do pro­ces­so hou­ve al­guns con­cur­sos es­pe­cí­fi­cos que fi­ca­ram por pre­en­cher. É uma afron­ta a to­dos aque­les que es­pe­ram mais de dois anos pa­ra que es­ses con­cur­sos abram. É uma afron­ta a to­dos aque­les que es­pe­ram há mui­tos me­ses pe­lo iní­cio do seu con­tra­to já ga­nho. É uma afron­ta a to­dos aque­les que, en­con­tran­do-se de­sem­pre­ga­dos e a con­cor­re­rem a tu­do quan­to é con­cur­so, con­ti­nu­am desempregados.

A re­a­li­da­de é bem di­fe­ren­te da­que­la que o MMH quer transmitir: 
– Os re­sul­ta­dos de­fi­ni­ti­vos das 500 va­gas do Concurso Estímulo ao Emprego Científico (CEEC) Individual de 2017 ain­da não são co­nhe­ci­dos (à da­ta de 1 de fe­ve­rei­ro de 2019) e o nú­me­ro de va­gas do con­cur­so de 2018 é mui­to in­fe­ri­or ao que é ex­pec­tá­vel [se o con­cur­so in­di­vi­du­al de bol­sas de dou­to­ra­men­to tem cer­ca de 950 va­gas, não é acei­tá­vel que o con­cur­so in­di­vi­du­al pa­ra dou­to­ra­dos te­nha me­nos de um ter­ço des­sas vagas];
– O Concurso Institucional foi aber­to pa­ra 400 va­gas e mais de 40% fo­ram pa­ra a do­cên­cia, fi­can­do a Fundação pa­ra a Ciência e Tecnologia (FCT) a pa­gar par­te do sa­lá­rio de pro­fes­so­res quan­do, no nos­so en­ten­der, a mis­são da FCT é fi­nan­ci­ar a in­ves­ti­ga­ção e não a docência;
– Os re­sul­ta­dos do con­cur­so de Projetos de I&D (em to­dos os do­mí­ni­os ci­en­tí­fi­cos) de 2017 fo­ram co­nhe­ci­dos em 2018 de for­ma in­ter­mi­ten­te. Depois de co­lo­car to­da a co­mu­ni­da­de ci­en­tí­fi­ca em an­si­e­da­de e com os ner­vos em fran­ja, em 2019, os 1618 dou­to­ra­dos a con­tra­tar no âm­bi­to des­ses pro­je­tos ain­da não as­si­na­ram con­tra­to (fon­te: Observatório de Emprego Científico, MCTES, a 22 de ja­nei­ro de 2019). É de no­tar que nes­ta le­gis­la­tu­ra abriu ape­nas um con­cur­so de Projetos de I&D (em to­dos os do­mí­ni­os científicos);
– A ava­li­a­ção das uni­da­des de in­ves­ti­ga­ção pro­me­ti­da no iní­cio da le­gis­la­tu­ra afi­nal não era uma pri­o­ri­da­de e vai es­tar con­cluí­da ape­nas no fim de 2019;
– A Norma Transitória es­te­ve em vi­gor des­de se­tem­bro de 2016 até 31 de agos­to de 2018; em fe­ve­rei­ro de 2019, mais de me­ta­de dos con­tra­tos es­tão ain­da por formalizar;
– O ní­vel de su­ces­so do PREVPAP pa­ra as car­rei­ras es­pe­ci­ais (do­cên­cia e in­ves­ti­ga­ção), a ron­dar os 8%, de­ve­ria en­ver­go­nhar um mi­nis­tro que per­mi­te que con­ti­nu­em a exis­tir al­tos ní­veis de pre­ca­ri­e­da­de na ci­ên­cia e en­si­no superior.

Numa en­tre­vis­ta em que o pró­prio MMH as­su­me que pa­ra um con­cur­so de 500 va­gas hou­ve cer­ca de 4500 can­di­da­tu­ras não é sé­rio afir­mar que há va­gas pa­ra dou­to­ra­dos que vão fi­car por ocu­par. A ABIC apon­ta vá­ri­os pro­ble­mas que o MMH pa­re­ce ignorar: 
O atra­so na aber­tu­ra dos con­cur­sos pa­ra a NT (por boi­co­te das ins­ti­tui­ções com anuên­cia da tu­te­la) fez au­men­tar o nú­me­ro de can­di­da­tu­ras ao CEEC Individual. Quem ga­nhou as du­as va­gas só po­de fi­car com uma e po­de acon­te­cer que a va­ga que é li­ber­ta­da não vá pa­ra nin­guém, ques­tão que a ABIC tem sis­te­ma­ti­ca­men­te si­na­li­za­do nos con­cur­sos da FCT;
A apos­ta nas va­gas de­ve­ria ser por via do con­cur­so in­di­vi­du­al já que é o pró­prio can­di­da­to a sub­me­ter um pro­je­to no âm­bi­to da sua área e das su­as competências.

Adicionalmente, o MMH tam­bém pa­re­ce des­con­si­de­rar a re­a­li­da­de dos mui­tos co­le­gas dou­to­ra­dos que, pe­ran­te a pers­pe­ti­va de fi­ca­rem sem na­da, con­cor­rem a bol­sas pa­ra mestres.

Assim, se se quer re­al­men­te aca­bar com a pre­ca­ri­e­da­de, os 5000 con­tra­tos pro­me­ti­dos fi­cam aquém do ne­ces­sá­rio pa­ra o atu­al pa­no­ra­ma do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), co­mo o MMH de­ve­ria saber: 
i) há dou­to­ra­dos sem qual­quer emprego;
ii) há dou­to­ra­dos com bol­sas pa­ra dou­to­ra­dos ou pa­ra mes­tres sem pers­pe­ti­va de pas­sa­rem a contrato;
iii) há dou­to­ra­dos com bol­sas à es­pe­ra de um con­tra­to que tar­da em sair.

Para além do uni­ver­so de in­ves­ti­ga­do­res dou­to­ra­dos, há ain­da mi­lha­res de tra­ba­lha­do­res com bol­sas de dou­to­ra­men­to, de mes­tre, de li­cen­ci­a­do, de téc­ni­co e de ges­tão de ci­ên­cia que são es­sen­ci­ais ao SCTN e que vão con­ti­nu­ar amar­ra­dos ao Estatuto do Bolseiro de Investigação e pri­va­dos de di­rei­tos laborais.

A ABIC en­ten­de que o MMH não res­pon­deu com se­ri­e­da­de às per­gun­tas co­lo­ca­das pe­lo jor­na­lis­ta do Público e con­ti­nua a não re­co­nhe­cer os gra­ves pro­ble­mas de fun­ci­o­na­men­to da FCT e das po­lí­ti­cas ci­en­tí­fi­cas pe­las quais é res­pon­sá­vel. Para nós, o úni­co ca­mi­nho pa­ra a re­so­lu­ção des­tes pro­ble­mas é a in­te­gra­ção de to­dos os in­ves­ti­ga­do­res, in­de­pen­den­te­men­te do grau, na res­pe­ti­va car­rei­ra. Havendo um pro­gra­ma de re­gu­la­ri­za­ção de vín­cu­los a de­cor­rer (PREVPAP), o MMH pre­fe­re fi­car do la­do das ins­ti­tui­ções, a quem a pre­ca­ri­e­da­de ser­ve, em vez de re­sol­ver de­fi­ni­ti­va­men­te o pro­ble­ma dos tra­ba­lha­do­res científicos.