COMUNICADO SOBRE A REVISÃO DO EBI
2019/02/25
No passado dia 21 de fevereiro, o Conselho de Ministros publicou um comunicado anunciando a aprovação de “um conjunto de diplomas no âmbito da ciência, tendo em vista reforçar a capacidade científica e tecnológica nacional e promover a qualificação da população portuguesa”, entre eles a “Lei da Ciência, que se traduz na revisão e modernização do regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação e desenvolvimento, conforme consagrado no programa de Governo.” A ABIC até pode fazer vista grossa ao facto de este anúncio surgir no final da legislatura, legislatura esta que, no que toca à ciência, não cumpriu nem com metade do que já legislou, mas já não o pode fazer quanto à sua forma e ao seu anunciado conteúdo.
Tendo a ABIC sempre insistido na necessidade da revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), por este ser um instrumento não só de privação dos mais elementares direitos laborais mas também de suporte à continuada sustentação da ciência e investigação com recurso ao trabalho precário, o anúncio de que “foi aprovado o decreto-lei que define os termos para a revisão do Estatuto do Bolseiro de Investigação” sem ter dialogado com os bolseiros só pode merecer o nosso protesto.
Já não merecedor de protesto, mas sim de repúdio, é a nota que esta alteração legislativa tem em vista “[…] reduzir a duração temporal das bolsas de pós-doutoramento e limitar as condições da sua atribuição, dedicando-as exclusivamente para efeitos de formação pós-doutoral e assim reforçando o contrato de trabalho como regime regra para a constituição de vínculos com investigadores doutorados […]”. É com total perplexidade que, após anos de continuadas declarações do Sr. Ministro Manuel Heitor da sua firme intenção de acabar com esta tipologia de bolsas — não tendo mesmo a FCT aberto mais concursos para estas bolsas desde 2016 — vemos agora anunciado o seu regresso e não a sua substituição por contratos de trabalho como prometido.
Inenarrável é ainda ler-se que a “[…] obtenção de doutoramento não confere independência científica aos investigadores doutorados […]”, precisamente quando estes são tidos como independentes para todos os concursos nacionais e internacionais de financiamento, assim como para a orientação de teses, tendo mesmo sido a esmagadora maioria dos contratos atribuídos pelo Concurso de Estímulo ao Emprego Científico – Individual de 2017 atribuídos a esses mesmos doutorados, cujos trabalhos serão desenvolvidos sem qualquer orientação, mas que agora, por conveniência deixam de ser considerados independentes. Ademais, é absolutamente desonesto pretender confundir uma falaciosamente alegada dependência científica com a privação do direito ao contrato de trabalho, precisamente quando essa mesma alteração legislativa se declara “[…] pela exigência de desenvolvimento de atividades de investigação integradas num ciclo de estudos conferente de grau como condição para atribuição de uma bolsa de investigação.”
Perante a revisão anunciada do EBI, a ABIC não pode aceitar que tudo fique na mesma. Não é alargando a abrangência das bolsas que não constituem contratos de trabalho (i.e. bolsas de pós-doutoramento, bolsas de gestão de ciência e tecnologia, bolsas de projetos, bolsas de técnicos de investigação, bolsas de doutoramento…) que se combate a precariedade. A realidade tem-nos mostrado que a “contratação” por via das bolsas é, e será sempre, a mais apetecível para as instituições e, uma vez mais, a tutela compactua com a perpetuação da precariedade na ciência e investigação.
Da parte da tutela, espera-se que honre todos os compromissos assumidos para com os bolseiros e para com o país. Pela nossa parte, continuaremos a bater-nos pela revogação do Estatuto do Bolseiro e pela transformação de todas as bolsas em contratos de trabalho, sem qualquer penalização temporal e/ou financeira, e por melhores condições laborais para estes trabalhadores, pois trabalhadores somos, independentemente da denominação de “bolseiros” e de os trabalhos permitirem, eventualmente, a obtenção de um grau.