Na passada terça-feira decorreu na Casa Amarela da Assembleia da Republica uma Mesa Redonda com o objectivo de discutir os problemas associados ao atual Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), promovida pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC).
A Mesa teve por base a premissa de que o EBI, o estatuto que regula os contratos dos bolseiros de investigação, descredibiliza o trabalho feito pelos investigadores que em Portugal trabalham sob este enquadramento legal. Por outro lado, o EBI encontra-se desatualizado face à atual realidade da investigação científica no país, que conheceu um grande crescimento nos últimos anos e permite situações abusivas de estabelecimento de contratos de bolsa em vez de contratos de trabalho, em que os primeiros servem para responder a necessidades permanentes das instituições, sem que exista associado o usufruto pleno de direitos do regime da Segurança Social.
O evento juntou A. Miguel Santos, Presidente do Fórum dos Conselhos Científicos dos Laboratórios do Estado, João Pedro Ferreira, da Direção da ABIC, Henrique Bartolomeu Fonseca, Jurista do Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC), e ainda Maria Benedita Melo, da Associação Portuguesa Sociologia / IEUL. O debate foi moderado por Nicolau Ferreira, jornalista do jornal Público.
Tanto o Ministério da Ciência e Ensino Superior (MCTES) e a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que foram convidados a estar presentes na Mesa Redonda, não compareceram. Igualmente, ainda que o convite tenha sido estendido a todos os partidos com assento parlamentar, apenas o Partido Socialista (PS), o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista Português (PCP), Os Verdes e o PAN (Pessoas, Animais e Natureza) estiveram presentes, com ausência dos partidos que constituíram Governo nos últimos 4 anos, PSD e CDS-PP.
O debate teve início com a contribuição de Alexandre Quintanilha que salientou que as discussões em torno do EBI não são novas nem recentes, e que está na altura de serem resolvidas. O Presidente da Comissão de Educação e Ciência fez questão de referir as políticas do anterior Ministro Mariano Gago que, não tendo sido perfeitas, em muito beneficiaram o sistema científico português. No entanto, as mesmas não resolveram a questão das bolsas de investigação e o sistema precário em que vivem os bolseiros. Alexandre Quintanilha apontou a possibilidade de “esperança” dada a janela de diálogo recentemente aberta pelo atual Ministro Manuel Heitor.
João Pedro Ferreira, da direção da ABIC, afirmou que está na altura de revogar o EBI e de reconhecer o trabalho científico como trabalho, de acordo com os pressupostos definidos no Código do Trabalho e todos os direitos daí decorrentes. Apontou também outras questões relacionadas com a realidade dos bolseiros, tal como o atraso no pagamento das bolsas, que se repete ano após ano, e a precariedade associada ao regime de bolsas. Uma questão também levantada pela bancada foi a não atualização do valor das bolsas há mais de 14 anos. João Pedro Ferreira adiantou que, com esta medida, os bolseiros perderam, tendo em conta a inflação, cerca de 28% do poder de compra nos últimos 14 anos. O jurista presente sublinhou a imperatividade de distinguir necessidades permanentes e não-permanentes e de identificar a natureza da relação que se estabelece entre o investigador e a instituição de acolhimento: sempre que se estabelece uma relação de subordinação estamos perante uma relação laboral, com direito a contratos de trabalho em vez de contratos de bolsa.
O representante do Fórum dos Laboratórios do Estado, A. Miguel Santos, centrou a sua apresentação no congelamento da carreira de investigação científica e as suas consequências para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN): corpo de investigadores envelhecido e precarização dos mais jovens, apelando ao descongelamento da carreira com a progressão dos investigadores e a abertura de novos lugares.
Maria Bendita Melo, pela APS, referiu acima de tudo que é necessário rever o modelo de financiamento do MCTES pois este é precário, sendo necessário um maior investimento e outras políticas que não estrangulem o SCTN.
A discussão alargou-se aos partidos presentes que foram unânimes na conclusão de que é necessário o reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos bolseiros de investigação, e que é inadmissível que o mesmo não seja passível de ser feito com base em contratos de trabalhos. Os partidos manifestaram o seu apoio por esta causa e reiteraram que defenderiam a mesma na Assembleia da República.
A intervenção de bolseiros também foi no sentido da exigência de contratos de trabalho para diminuir a precariedade. Foi-lhes pedida esperança e foi-lhes pedida paciência! Mas os bolseiros presentes consideram que não podem esperar mais nem podem permitir que este EBI continue a precarizar não só trabalhadores científicos mas também e cada vez mais trabalhadores de outros ramos.