«Cientistas estão nas lonas»

«Cientistas es­tão nas lonas»

 In Portugal Diário, 30 de Outubro 2006

    Bolseiros acam­pam no Parlamento.Investimento na ci­ên­cia não se nota.

    «Queremos tra­ba­lhar», «Queremos pa­gar IRS», «Queremos Segurança Social» e «Investigar é tra­ba­lhar», di­zi­am os car­ta­zes que de­ze­nas de bol­sei­ros mos­tra­ram aos de­pu­ta­dos es­ta se­gun­da-fei­ra à tar­de, fren­te à Assembleia da República. Chegaram, mon­ta­ram ten­das, li­te­ral­men­te, e ali fi­ca­ram à es­pe­ra de res­pos­tas. A con­cen­tra­ção ti­nha por ob­jec­ti­vo mos­trar que os «ci­en­tis­tas es­tão nas lonas».

    João Ferreira, da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), ex­pli­cou ao PortugalDiário a es­co­lha des­te «mo­men­to» pa­ra a ini­ci­a­ti­va. «Após o anún­cio do Orçamento pa­ra 2007, da ac­tu­al dis­cus­são no Parlamento, e do au­men­to de ver­bas pa­ra o Ministério da Ciência, pa­re­ceu-nos uma boa al­tu­ra pa­ra ques­ti­o­nar o Governo so­bre a con­tra­di­ção en­tre as de­cla­ra­ções de in­ves­ti­men­to e a si­tu­a­ção vi­vi­da por quem faz in­ves­ti­ga­ção», afirmou.

    «A for­ma co­mo mi­lha­res de bol­sei­ros vi­vem e tra­ba­lham são o des­men­ti­do da fa­la­da apos­ta», ex­pli­ca João Ferreira. Todos os bol­sei­ros «gos­ta­vam de sa­ber des­se di­nhei­ro a mais pa­ra a in­ves­ti­ga­ção, quan­to vai ser uti­li­za­do pa­ra me­lho­rar a vi­da de quem tra­ba­lha com a ciência».

    Segundo da­dos 2003, reu­ni­dos pe­la ABIC, exis­tem cer­ca de oi­to mil bol­sei­ros em Portugal. E se nem to­dos so­frem na pe­le os atra­sos no pa­ga­men­to das bol­sas «há ou­tros pro­ble­mas de­cor­ren­tes do es­ta­tu­to de bol­sei­ro». Como, por exem­plo, «vi­ver à mar­gem do sis­te­ma de se­gu­ran­ça so­ci­al. Numa al­tu­ra que tan­to se fa­la da sua sus­ten­ta­bi­li­da­de, há mi­lha­res de pes­so­as que gos­ta­vam de con­tri­buir pa­ra o sis­te­ma ge­ral, mas não po­dem por­que es­tão há margem».

    Ou se­ja, os bol­sei­ros «es­tão des­con­ten­tes e sen­ti­ram ne­ces­si­da­de de o de­mons­trar», diz João Ferreira.

    Mariano Gago anun­ci­ou re­cen­te­men­te não te­mer «a fu­ga de cé­re­bros por­tu­gue­ses» pa­ra o es­tran­gei­ro, mas João Ferreira ga­ran­te que «o mi­nis­tro de­via es­tar, por­que nós es­ta­mos». E diz mes­mo que o nú­me­ro de pes­so­as que vai pa­ra fo­ra «tem au­men­ta­do, o que re­pre­sen­ta uma per­da pa­ra o país».

    O di­nhei­ro não chega

    Vera é bol­sei­ra há cin­co anos na área da bi­o­lo­gia e viu a sua bol­sa re­du­zi­da sem gran­des ex­pli­ca­ções. A mai­or par­te do tem­po é pas­sa­do no Instituto de Psicologia Aplicada (ISPA), mas pre­ci­sa de se des­lo­car à Universidade de Santa Cruz, na Califórnia, al­gu­mas ve­zes por ano, «pa­ra de­sen­vol­ver tra­ba­lho de laboratório».

    Antes ain­da lhe pa­ga­vam uma ida pa­ra os Estados Unidos, mas ago­ra tem um va­lor fi­xo que «se es­go­ta nu­ma só vi­a­gem». Para que o seu tra­ba­lho não per­ca qua­li­da­de ga­ran­te que «as vi­a­gens são in­dis­pen­sá­veis» e que as­su­me as despesas.

    Quando com­pa­ra o apoio da­do aos seus co­le­gas na Califórnia diz que a di­fe­ren­ça «é do dia pa­ra a noite».

    Isabel Correia é bol­sei­ra há dez anos, na área de Reflorestação Florestal, e ga­ran­te que «sem o apoio da fa­mí­lia» nin­guém con­se­gue ser in­ves­ti­ga­dor em Portugal. Garante mes­mo que a mai­o­ria dos bol­sei­ros «tra­ba­lha por amor à camisola».

    Esta bol­sei­ra co­nhe­ce al­guns ca­sos que pro­cu­ram apoio no es­tran­gei­ro e avan­ça com o fu­tu­ro das tais fu­gas de cé­re­bros, que o mi­nis­tro da Ciência não te­me. «Se con­se­gui­mos bri­lhar lá fo­ra é por­que al­go se pas­sa no país, e não com os investigadores».