Dossier sobre recursos humanos em C&T em Portugal
In Diário de Notícias, 21 de Dezembro 2003
“Não estamos a conseguir atrair pessoas com qualidade”
Sobrinho Simões – Dir. do IPATIMUP
O nosso problema é que não existe uma carreira de investigação nas universidades e estas têm por política contratar assistentes estagiários, ou seja, pessoas no início da carreira, quando deviam começar por contratar só doutorados. Por outro lado, os Laboratórios de Estado estão muito fragilizados, sobretudo no que diz respeito à contratação. Quanto aos laboratórios associados ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior [o IPATIMUP, no Porto, é um deles], sofrem de restrições orçamentais que os impedem de admitir mais investigadores. Acresce a isso a falta de desenvolvimento industrial do País. Em resultado desta situação, os nossos pós-doutorados estão a ir para o estrangeiro e não estamos a conseguir atrair pessoas com qualidade. Não temos, além disso, capacidade de recrutamento porque também não oferecemos boas condições para fazer investigação.
Filipe Duarte Santos – Físico e cientista
Tem havido um esforço muito meritório de formação de recursos humanos altamente qualificados, mas isso não foi acompanhado pela criação de estruturas que possam absorver os melhores destes novos doutores. Não há lugares nas universidades, os Laboratórios de Estados têm as novas contratações congeladas, apesar de haver lugares por preencher e a indústria é débil e avessa a contratar estas pessoas muito especializadas porque não as vê como uma mais-valia. Penso que isto é comum à generalidade das áreas científicas mas na astrofísica o problema é particularmente agudo, porque é muito recente em Portugal. Quem é que pode contratar astrofísicos? As universidades e centros de investigação. Mas como estão bloqueados, não há saída. Os melhores são facilmente contratados no estrangeiro mas há quem prefira arriscar pós-doutoramentos aqui, só que o seu futuro é muito incerto.
Tesesa Lago – Astrofísica
Com certeza que há fuga de cérebros em Portugal. Os melhores vão para fora porque são os que têm maior facilidade em concorrer internacionalmente. É inevitável que a nata dos investigadores portugueses vá para fora. A investigação científica em Portugal não pode continuar a manter-se à custa de professores com cargas de docência enormes. Os nossos investigadores trabalham em part-time, mas é preciso criar condições para que trabalhem a tempo inteiro. É óbvio que nem todos os doutorados ou pós-doutorados podem ficar a fazer investigação. No estrangeiro, serão cerca de 20 por cento os que continuam nessa carreira, mas em Portugal não temos nada, nem 10 por cento. Não existem contratos a longo prazo, o que é um problema. Depois do grande arranque da investigação no País, no início da década de 90, nunca conseguimos dar o salto para uma situação estável.
Carlos Fiolhais – Físico e cientista
Inúmeros colaboradores que fizeram doutoramentos e pós-doutoramentos comigo não têm encontrado lugares compatíveis em Portugal para fazer investigação. Mas como não há números, é difícil dizer se há fuga de cérebros em Portugal. A verdade é que sem esses números também não se pode dizer o contrário. Uma coisa é certa: as universidades estão fechadas à entrada de novos doutorados e por isso já há uma quebra importante na renovação das gerações. Em consequência, o País está a perder o melhor que tem: a sua massa cinzenta. O emprego científico devia ser uma prioridade e, nesse sentido, é necessária uma carreira científica que, na prática, não existe. Isto não é de agora, vem de trás. Não há financiamento nem enquadramento para integrar os jovens altamente qualificados. Por outro lado, há uma crise de vocações científicas e não se está a fazer o suficiente para contrariar essa tendência.
Centros de I&D terão novas regras de financiamento
F. N. (entrevista à ministra da Ciência e do Ensino Superior)
Há fuga de cérebros em Portugal?
Há portugueses qualificados que vão para outros países. Por um lado é uma pena porque se investe na formação das pessoas e a sua rentabilização para a economia não é feita aqui. Por outro, isso contribui para a internacionalização do nosso sistema. Não é necessariamente mau quando é uma opção e é muito motivador encontrar alunos em todo o mundo, a liderar equipas ou em posições de destaque. O que me preocupa é se isso acontece porque não existem cá as opções para esses portugueses. Temos que aumentar o emprego científico e o emprego baseado na inovação.
Mas concorda que está a haver fuga de cérebros?
Sempre houve fuga de cérebros em Portugal. Não é de agora. A maioria dos nossos cientistas passou tempo fora. Houve quem regressasse e quem ficasse lá fora.
Existe um problema de emprego científico no País?
Temos que aumentar o emprego científico, criando condições para isso. O desenvolvimento faz-se cada vez mais com base na ciência e na inovação e é por aí que temos que aumentar a nossa produtividade em todas as áreas: indústria, serviços, administração pública, saúde. Só assim venceremos os desafios.
O sistema científico português tem bloqueios. Na universidade não há lugares, os laboratórios de Estado têm as vagas fechadas. As universidades têm que mudar?
A muito curto prazo vamos fazer uma grande reforma do ensino superior, no âmbito do Processo de Bolonha [harmonização do ensino universitário europeu], virando-o para a empregabilidade e para a sociedade. Isto articula-se com a reforma na ciência e inovação. No sector público pode haver uma renovação de recursos, porque há instituições em que as pessoas estão a chegar à idade da reforma, mas aí não aumentará muito o emprego científico. Onde temos de aumentar fortemente é no sector privado. O nosso plano de acção prevê um aumento global do nosso investimento em I&D [Investigação e Desenvolvimento], que passa muito pelo sector privado. Para isso vamos ter novas regras de financiamento das unidades de I&D. Passará a haver um financiamento-base complementado com financiamento das empresas para as motivar a investir nas unidades de I&D. Até Março, Abril de 2004, teremos isso pronto.
Isso é aplicável a todos os centros de investigação?
A todos, excepto em áreas de serviço público, como a saúde, as calamidades, sismologia ou incêndios florestais. Aí o financiamento é todo público. Mas nas áreas mais viradas para a produção vamos incentivar parcerias, em que as unidades procurem financiamento para promover trabalho conjunto. Nas áreas ligadas à produtividade co-financiaremos praticamente todos os projectos em consórcio entre unidades e empresas. E empresas são a indústria, hospitais, comunidade, unidades hoteleiras. Há muito a fazer em inovação nestes sectores.
O financiamento-base às unidades de I&D mantém-se no mesmo nível ou diminui?
Tem que haver uma renegociação completa do financiamento de I&D. A ideia é ter um financiamento base com vários graus consoante a qualidade. Mas esse será um financiamento pequeno, sendo o resto proporcional ao que for captado junto do sector privado e organismos internacionais. Trata-se de internacionalizar a ciência e ligá-la à indústria.
O sector privado não está muito disponível para a inovação. Não teme a tarefa extra para os investigadores?
É difícil mas este é um círculo que temos que quebrar e isto vai ajudar a quebrá-lo. Os investigadores são muito persistentes e terão ideias que motivem o sector privado. Claro que isto só não chega. Temos que fomentar a base tecnológica nas pequenas empresas e, também com investimento público, motivar o seu desenvolvimento. No caso das maiores, motivá-las a investirem em I&D, criando centros de investigação próprios, ou, com o seu nome, nas universidades. É preciso também simplificar os processos no sector público. Enquanto isso não acontecer não conseguimos atrair os privados para parecerias em ciência. Queremos preparar este plano de medidas para aumentar o investimento público e privado em I&D até ao Verão.
Não há carreira científica em Portugal. Isso vai ser alterado?
Temos que criar um estatuto que permita ser cientista em Portugal e não ter problemas em alugar ou comprar casa como acontece aos bolseiros. Aliás, temos que olhar também para o regime dos bolseiros e alterá-lo para o melhorar. Por outro lado, muitos são já cientistas mas mantêm-se bolseiros porque não têm para onde ir. É preciso resolver o problema.
O que será a carreira científica?
Não é uma carreira de investigador do Estado, mas um estatuto que permita, ou nas unidades de I&D ou no privado, ser cientista com uma identidade que neste momento não há em Portugal. É uma nova figura a criar.
Da parte da universidade não haverá falta de dinheiro para contratação?
Pois, mas, por outro lado, há universidades que têm contratos com a União Europeia ou com empresas, querem contratar, têm dinheiro para isso, e acabam por meter bolseiros porque não há outro enquadramento. Esta situação leva muitas vezes os bolseiros a desistir da carreira científica ou a ir para outro país, porque na prática estão fora do sistema. Durante o próximo ano teremos pelo menos em embrião as soluções para estes problemas.
Jovens procuram emprego científico
FILOMENA NAVES
A fuga de cérebros é uma realidade em Portugal. Não que haja números taxativos a demonstrá-lo com rigor científico – a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) ainda não segue o percurso pós-bolsa dos doutorados cuja formação financia e, por isso, não dispõe de dados – mas essa é hoje a visão geral de quem conhece o meio científico nacional.
Dos bolseiros aos professores universitários, dos investigadores à própria ministra da Ciência e do Ensino Superior, Maria da Graça Carvalho, todos concordam que há inúmeros jovens portugueses altamente qualificados a sair para trabalhar no estrangeiro porque aqui não encontram as melhores condições para prosseguir uma carreira científica.
Para o País, que não consegue enquadrá-los e absorvê-los no tecido produtivo, é uma perda. A ministra da Ciência admite que é necessário aumentar o emprego científico e prepara medidas com as quais conta reorganizar o sistema.
São vulgares as histórias de jovens portugueses que decidiram emigrar para fazer investigação. Foram, e continuam a ir, para a Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, França, Finlândia, Austrália. E apesar de o regresso ser muitas vezes uma meta desejada, há quem já não volte.
Trabalhar durante um determinado período no estrangeiro é positivo e desejável, concordam todos. “Essa mobilidade faz parte da natureza da ciência e da própria formação”, diz Nuno Arantes e Oliveira, que fez o doutoramento nos Estados Unidos, em genética, e está agora em Portugal com uma bolsa de pós-doutoramento, na área do empreendedorismo em biotecnologia. “O problema existe se ficar no estrangeiro não é uma opção mas uma necessidade por não haver aqui lugar”, diz.
Não está sozinho na apreciação. O facto é que o emprego científico escasseia. Nos últimos 12 anos, os sucessivos governos fizeram uma aposta na qualificação dos recursos humanos, com a atribuição de uma média anual de mil bolsas para doutoramentos e mestrados e, graças a isso, Portugal foi o estado da União Europeia (UE) que, na década de 90, registou o ritmo mais acelerado nesta formação especializada. No entanto, como os números também mostram, continua a ser um dos que menos investigadores tem na população activa. Por isso, “é necessário manter a formação destes recursos humanos altamente qualificados”, diz o presidente da FCT, Ramôa Ribeiro.
O futuro, porém, é incerto. As universidades há anos que não abrem novos lugares, o sector privado, que não representa mais do que 0,2 por cento do investimento em investigação e desenvolvimento (I&D), em relação ao PIB, não é neste momento alternativa e as vagas que vão ficando em aberto nas instituições públicas, como os Laboratórios de Estado, estão fechadas devido à situação económica.
Quase só resta permanecer bolseiro. Mas também aqui há problemas. Além de ser uma situação sem regalias laborais, não é possível permanecer eternamente bolseiro. “Se não houver nada a seguir, qual é saída?”, pergunta a jovem astrofísica Sónia Antón, que está agora na segunda, e última, bolsa de pós-doutoramento.
Países pobres são os mais afectados
F. N.
A fuga de cérebros também é um fenómeno global. Uma ronda pelo mundo mostra que ele é particularmente agudo nos países em desenvolvimento, muitas vezes agravado por razões políticas. O certo é que custa muitos milhões de dólares anualmente aos países que sofrem estas sangrias de recursos humanos qualificados, como demonstram relatórios da ONU e de ONG que trabalham em desenvolvimento humano.
Não é novidade que os países em desenvolvimento lutam com falta de quadros e recursos humanos qualificados. No entanto, olhando mais atentamente, verifica-se que uma parte substancial dos engenheiros, físicos, informáticos e outros técnicos e cientistas que trabalham nos Estados Unidos, no Canadá e nos países europeus mais ricos, são oriundos de países em desenvolvimento.
Chegam aos milhares da Índia, do Paquistão e de outros países asiáticos. São oriundos de países africanos que muitas vezes pagaram fora a formação de jovens que acabam por não regressar aos países de origem.
O impacto económico nos países de onde fogem estes emigrantes altamente qualificados é enorme e tornou-se objecto de debate internacional desde que, nos anos 60, se detectou a existência deste fluxo migratório.
De acordo com um estudo conjunto do Institute for Prospective Technological Studies e do Joint Research Center, da Comisão Europeia, nos países mais ricos (com os Estados à frente), o número de estudantes estrangeiros em formação avançada aumentou, em certos casos, dez vezes, entre as décadas de 70 e de 90. A diáspora dos informáticos indianos em Silicon Valey, nos EUA, nos últimos anos, é talvez o caso mais paradigmático de todos.
A própria União Europeia (UE) não escapa ao fenómeno, sobretudo nos países do Sul, e a Comissão está consciente do problema. A filosofia do VI Programa-Quadro (o instrumento financiador da investigação científica da UE até 2006), que foi aprovado em Bruxelas no final do ano passado, tem por filosofia renovar o espírito científico europeu e evitar a fuga de cérebros.
Segundo alguns especialistas europeus, a UE investe enormes somas na formação dos seus cientistas, mas depois não encontra oportunidades para o aproveitamento das suas capacidades. Estancar a fuga de cérebros para outras áreas do mundo onde são oferecidas mais possibilidades de desenvolvimento do trabalho é o objectivo da UE.
Inconformado – ‘Apostei erradamente no País’
Em Fevereiro, Armando Vieira parte para o Laboratório Nacional de Los Álamos, nos Estados Unidos. Vai por seis meses, de licença sabática, e vai desiludido depois de uma década de luta que podia ter dado mais frutos. No famoso laboratório do Novo México, onde nasceu a bomba atómica, vai fazer investigação sobre redes neuronais artificiais, para previsão financeira e empresarial, num grupo coordenado por outro português, Luís Rocha, ali radicado há cinco anos. Armando Vieira tem “uma história simples”, como diz. Casou em 1993 e apostou “em trabalhar em Portugal”. Após a licenciatura no Instituto Superior Técnico, fez aí um mestrado. Depois foi para Coimbra fazer doutoramento em Física Teórica. Daí, sempre como bolseiro, partiu para Grenoble, França, para um pós-doutoramento. Regressou a Portugal em 1998 para procurar trabalho “e foi então que começaram os problemas”. Passou por uma universidade privada, onde a investigação era quase nula. Ganhou entretanto um lugar como bolseiro, em física nuclear, num instituto do Estado e embora fosse uma área diferente da sua conseguiu trabalhar. Terminada a bolsa concorreu a vários institutos politécnicos mas, apesar do currículo (doutoramento e mais de 20 artigos em revistas internacionais), foi sempre eliminado nos concursos. Há três anos aceitou um lugar de professor no Instituto Superior de Engenharia, no Porto, com sacrifício da vida pessoal, já que a família foi obrigada a ficar em Lisboa. A ciência essa, caminha com grande esforço. Armando criou um grupo de redes neuronais mas precisou de vencer “enormes dificuldades, das quais a mentalidade foi a maior”. Aos 37 anos, o investigador não desiste. Tem a sensação de “ter feito a aposta errada” ao querer trabalhar no País mas, apesar “do sabor amargo” não se conforma. Reconhece o esforço de formação de recursos humanos que Portugal está a fazer na ciência, mas lamenta que não o esteja a aproveitar plenamente. Com prejuízo do País e de cada um dos jovens promissores.
Voluntário – ‘Fiquei com as asas cortadas’
A NewScientist deu esta semana relevo a uma publicação sobre discos estelares, que resultou de uma investigação coordenada no Porto por Nanda Kumar. Como co-autor do artigo surge Amadeu Fernandes, cientista de graça e por amor à investigação. Investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP), onde esteve três anos como bolseiro de pós-doutoramento, o astrónomo faz desde 1997, sem remuneração, pesquisa que já deu origem a vários artigos científicos. Foi um dos três primeiros licenciados em Física e Matemática Aplicada à Astronomia, da Universidade do Porto. Sabiam que não havia possibilidade progredir em Portugal e optaram por sair do País. Amadeu Fernandes escolheu Edimburgo, na Escócia, para fazer o mestrado em Astronomia Tecnológica. O trabalho atraiu as atenções dos responsáveis que lhe propuseram a continuação da investigação sobre as estrelas de pequena massa. Ele aceitou e fez também o doutoramento. Em 1993, só lhe restava o regresso a Portugal. Conseguiu, na antiga JNICT, uma bolsa de investigação de um ano. Uma “almofada” até que surgiram as bolsas de pós-doutoramento. Foi o primeiro bolseiro do CAUP e em 1996 tornou-se também o primeiro pós-doutorado sem alternativa para continuar a investigação, porque as extensões de três anos ainda não tinham sido concedidas pelo ministro da Ciência. “Fiquei com as asas cortadas”, conta. Só lhe restava mudar de ramo. Tentou a docência em três instituições privadas do ensino superior e teve resposta positiva do ISMAI, onde é, desde 1997, professor de Matemática Aplicada a tempo integral. Quanto ao “apelo pessoal” da investigação, restou-lhe trabalhar de graça. O financiamento para suportar o trabalho é conseguido através do financiamento de projectos, mas quanto ao seu tempo, “não tem contrapartida”. Com 37 anos, casado e pai de uma bebé, Amadeu Fernandes vive em “equilíbrio”, entre o tempo disponível e a motivação para uma actividade sem contrapartida financeira.
Bolseiro – ‘O nosso estatuto não é bom’
Depois de muito caminho andado e de anos de sacrifício longe da família para fazer o doutoramento em Londres, com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Paulo Silva está finalmente a fazer o que gosta no seu próprio país: investigação científica. Mas o futuro é incerto e não põe de parte a possibilidade de partir se, até 2005, não conseguir outra estabilidade. Uma bolsa de pós-doutoramento da FCT permitiu-lhe no início deste ano voltar para junto da mulher e das duas filhas e, na Faculdade de Ciências de Universidade de Lisboa (FCUL), prossegue o trabalho de pesquisa, que vem de trás, e já lhe valeu algumas alegrias. Formado em Engenharia Agrícola em 1993, Paulo sempre soube que a investigação era o seu caminho. Partiu logo nesse ano para a Alemanha, para o Instituto Max Planck, com uma bolsa do prestigiado instituto, onde trabalhou até 1995 sobre genes importantes para o desenvolvimento floral. Regressado a Portugal, foi obrigado a interromper o percurso científico porque não conseguiu bolsa de doutoramento. Foi professor do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e em 1998 iniciou o doutoramento, mas a família não pôde acompanhá-lo para Londres. Aí estudou as proteínas importantes no processo de fotossíntese e demonstrou pela primeira vez que uma protease está envolvida nesse processo, nas chamadas cianobactérias. Foi convidado em 2001 para fazer uma conferência sobre o tema no Congresso Mundial da Fotossíntese, na Austrália, e a descoberta foi publicada na Plant Cell, em Setembro. Agora está a estudar proteínas envolvidas na adaptação dos organismos vegetais ao choque térmico. “Um tema de grande actualidade, se pensarmos nas alterações climáticas e na adaptação que elas vão exigir à agricultura”, diz. Feliz com o seu trabalho, mas preocupado com o futuro, não tem dúvidas: “Ninguém quer ser bolseiro para sempre.” Sem direito a férias, nem ao respectivo subsídio, com uma segurança social mínima e sem 13.º mês, Paulo põe a hipótese de ir trabalhar para a Austrália depois de 2005, quando termina a sua bolsa, se não encontrar até lá emprego compatível. Mas, nessa altura, vai de vez. E leva a família.
Empresário – ‘É preciso ter boa saúde para isto’
Orfeu Flores considera-se um optimista. E deve ser. “De outra maneira”, garante, “não teria conseguido fazer o fiz”. A meio de um doutoramento sobre genética molecular, em 1994, agarrou “a oportunidade”, como diz, e tornou-se cientista por conta própria. Que é como quem diz, um empresário com a actividade orientada para pesquisa na área da biotecnologia. Hoje, com 33 anos, diz com tranquilidade: “Gosto do que estou a fazer, que é produzir conhecimento e inovação, de ter accionistas que acreditam em nós e de contribuir pagando impostos”. Apesar de o sector da biotecnologia, sobretudo quando se trata de desenvolver novos produtos, exigir despesas muito intensas sem retornos durante os primeiros anos, em 2001 e 2002 o STAB, que é já um pequeno grupo de 8 empresas, “teve resultados positivos de consolidação”. Quanto a este ano, “veremos”, diz Orfeu. A oportunidade que o então jovem doutorando agarrou em 1994 foi a exploração das estações de tratamento de águas e saneamento da Galp. “Isto não exigia investigação, mas decidi avançar”, conta. Continua hoje a prestar aquele serviço, mas o seu gosto pela investigação levou-o a orientar também a empresa para pesquisa científica, que se iniciou “a sério” há quatro anos. Hoje, o grupo emprega 32 pessoas, a maior parte nas áreas científicas e técnicas, já registou 17 patentes, tem projectos nas áreas do ambiente e da biotecnologia aplicada à indústria alimentar e à saúde e vai iniciar-se na sequenciação de genomas. O seu mercado é sobretudo europeu e grande parte dos projectos em que a empresa está lançada são internacionais e co-financiados pela União Europeia. Um mar de rosas? Nem por isso. “Isto é um grande risco e os obstáculos, sobretudo com as burocracias, são imensos”. Acima de tudo, diz o jovem empresário, “é preciso ter boa saúde para aguentar o stress”. Quanto ao exemplo que a sua empresa constitui para outros, Orfeu não duvida “que, apesar das dificuldades, ele é positivo”. Depois do pioneirismo da sua empresa, já nasceram outras idênticas, embora não haja neste momento no País mais do que quatro ou cinco idênticas. “Em Portugal, estas coisas estão a começar.”
Bolseiros estão preocupados
A Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) organiza em Maio de 2004 um encontro sobre o problema da falta de emprego científico em Portugal. “A generalidade dos bolseiros questiona-se sobre o seu futuro”, diz João Ferreira, da direcção da ABIC, notando que “o aumento de recursos humanos qualificados nos últimos anos não foi acompanhado de criação de emprego compatível”. Chamar ao debate responsáveis políticos, empresários, investigadores e académicos é o objectivo. “Este não é um problema exclusivo dos bolseiros, é um problema nacional”.