Debate: Precariedade no Sistema Científico Português
12 de Março 2016
FPCE-UC, Coimbra
Decorreu no passado dia 12 de Março, na Faculdade de Psicologia e Ciência de Educação da Universidade de Coimbra, a Assembleia Geral da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) seguida de um debate sobre a Precariedade no atual Sistema Científico Português. Foram convidados para o debate António Martins, professor na Universidade de Coimbra, João Lavinha, Investigador no Instituto Ricardo Jorge, Catarina Casanova, Investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, e Ana Luís, bolseira de pós-doutoramento na Universidade de Aveiro e membro da Direção da ABIC.
Tomou-se como tema o panorama no sistema científico português dos últimos anos e as atuais deliberações do Ministério da Ciência e do Ensino Superior no que à atividade e carreira científica diz respeito.
Relativamente às bolsas e contratos de trabalhos, verificando-se que se mantêm constantes o não reconhecimento da atividade científica como atividade merecedora de contratos de trabalho, a precariedade que advém do sistema de bolsas de investigação sem revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), bem como a negação do pleno acesso à carreira de investigação, as palavras de ordem dos convidados sintonizaram-se em torno de alguma consternação.
João Lavinha sublinhou que há uma valorização diferente por parte da população portuguesa relativamente às diferentes profissões, com descredibilização de profissões relacionadas com a ciência e a arte. Desta forma, enquanto noutras profissões parece ser clara a necessidade de contratos de trabalho, aos cientistas e artistas está subjacente o facto de conseguirem sobreviver num sistema precário. O investigador lamentou também a falta de literacia científica dos nossos governadores, num ponto que cruzou com António Martins quando este afirmou que a qualidade dos nossos decisores públicos depende da qualidade de quem escolhe os nossos decisores.
António Martins começou a sua apresentação fazendo o paralelismo com o paradigma neoliberal na ciência, no sentido em que não havendo recursos suficientes para alimentar todos, a estratégia política far-se-ia por meio do investimento singular na excelência (apoiar apenas os que prometem mais). Também Portugal na sua condição periférica não tem direito a recursos. O professor ressalvou no entanto a falácia, pois verifica-se que quando é necessário mobilizar recursos (como o foi para pagar gestões financeiras danosas) tal é possível. O problema estaria então na definição de prioridades, e na forma como os recursos são alocados. No meio de algumas provocações amigáveis, referiu ainda a dificuldade na interlocução ciência-empresas, nomeadamente enquanto a iliteracia científica for uma realidade e não houver nas empresas número suficiente de doutorados que fale a mesma língua.
Houve também palavras críticas de Catarina Casanova no que diz respeito à eminente privatização do ensino superior, com a entrada do regime fundacional (pela mão de Mariano Gago) e do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RGIES), bem como de grandes grupos privados na gestão das universidades com impacto nas linhas de ensino. A investigadora sublinhou que universidades começam a ser vistas como máquinas de produção de dinheiro para os grandes grupos privados.
A questão da carreira não foi esquecida, com notas para o congelamento das carreiras, não se abrindo vagas à medida que o corpo docente das universidades se reforma. De facto, a grande maioria dos docentes dá aulas acima do que a lei permite, com a agravante da existência de bolseiros a dar aulas mas não sendo pagos para isso. As atuais soluções dadas pela Fundação para a Ciência e para a Tecnologia (FCT) também não são convincentes uma vez que o contrato FCT não constitui carreira, estando circunscrito no tempo e não podendo por isso ser considerado como solução eficiente. A nível Europeu, Catarina Casanova focou que Bolonha segmentou os cursos e reduziu os custos com os trabalhadores, referindo mesmo que as bolsas de pós-doutoramento competem diretamente com postos de trabalho a nível europeu, devido a menores custos envolvidos, algo que nem sempre é bem visto.
Ana Luís traçou o perfil do bolseiro e das dificuldades enfrentadas pelo mesmo no que diz respeito ao acesso pleno a condições de segurança social devidas a um trabalhador, dando particular ênfase no EBI e nas situações abusivas a que dá azo; na não valorização do trabalho científico, agravando a dificuldade de aceder a uma carreira na área de investigação científica que até hoje não existe devido à persistência dos governos no sistema de bolsas e nos contratos de investigador a termo. Referiu ainda as premissas estabelecidas no Caderno Reivindicativo aprovado em 2015, na Assembleia Geral da ABIC, como fundamentos a seguir, com o intuito de melhorar as condições dos investigadores e com foco principal na contratualização efetiva dos investigadores.