Bolseiros para a vida

Bolseiros pa­ra a vida

 In Visão, 12 de Janeiro 2006

    Têm for­ma­ções di­fe­ren­tes e per­cur­sos de vi­da dis­tin­tos. Mas Cláudia, Vera, João, Henrique e Paula par­ti­lham uma mes­ma con­di­ção. São bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção, mais ou me­nos ba­fe­ja­dos pe­la sor­te, à pro­cu­ra de um lu­gar no sis­te­ma ci­en­tí­fi­co na­ci­o­nal. Fazem par­te do bo­lo ofi­ci­al de 4 mil, a aguar­dar que se­ja cri­a­da a car­rei­ra de in­ves­ti­ga­dor, nas uni­ver­si­da­des, que os la­bo­ra­tó­ri­os do Estado in­te­grem os bol­sei­ros de cu­jo tra­ba­lho de­pen­dem e que o te­ci­do em­pre­sa­ri­al, até ago­ra de­ma­si­a­do re­sis­ten­te a con­tra­tar ci­en­tis­tas, dei­xe de aplau­dir o dis­cur­so so­bre in­ves­ti­ga­ção e de­sen­vol­vi­men­to nas em­pre­sas e pas­se à acção.

    Até sen­tem so­li­da­ri­e­da­de, sem­pre que as quei­xas vêm a pú­bli­co. Mas nem a Carta do Investigador, apro­va­da em Março pe­la União Europeia, lhes ser­viu até ago­ra de aju­da. Em vés­pe­ras de um pro­tes­to anun­ci­a­do pa­ra a pró­xi­ma quar­ta-fei­ra, 18, con­du­zi­do pe­la Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), es­ta é uma his­tó­ria de de­sem­pre­ga­dos: os mais qua­li­fi­ca­dos, os cientistas.

    Profissão: bol­sei­ro
    «É mais uma bol­sa mas, pe­lo me­nos, já sei o que vou fa­zer.» O de­sa­ba­fo é de Cláudia Cardoso, 30 anos, es­pe­ci­a­lis­ta em Física da Matéria Condensada. Afinal, an­dar a fa­zer cál­cu­los pa­ra os com­pu­ta­do­res ga­nha­rem mais me­mó­ria e nin­guém lhes atri­buir gran­de im­por­tân­cia po­de cau­sar es­tra­gos pro­fun­dos. «Até no amor-pró­prio.» A gran­de ques­tão é que, de­pois do dou­to­ra­men­to, a saí­da foi um pós-doutoramento.

    Cláudia es­ta­va ain­da a ter­mi­nar o cur­so, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, quan­do co­me­çou a ser bol­sei­ra. Era das me­lho­res alu­nas do seu ano e que­ria mes­mo ser ci­en­tis­ta. Ainda não com­ple­ta­ra a li­cen­ci­a­tu­ra e já tra­ba­lha­va num la­bo­ra­tó­rio. Acabou o cur­so em 1999, fez, de­pois, o mes­tra­do e, a se­guir, o dou­to­ra­men­to. Quando es­te co­me­çou a apro­xi­mar-se do fim, já ti­nha a ca­be­ça às vol­tas. «Concorri lo­go a um pós-doc…»

    Como a sequên­cia de bol­sas nem sem­pre é inin­ter­rup­ta, tor­na-se ne­ces­sá­ria tam­bém al­gu­ma gi­nás­ti­ca fi­nan­cei­ra – e o ca­so de Cláudia não é ex­cep­ção. Enquanto não che­ga o di­nhei­ro, vi­ve de pou­pan­ças e de al­gu­ma ocu­pa­ção es­po­rá­di­ca. «Se o meu tra­ba­lho fos­se re­al­men­te con­si­de­ra­do, te­ria di­rei­to a um sub­sí­dio.» Um li­gei­ro en­co­lher de om­bros re­ve­la o des­con­for­to de quem tra­ba­lha mui­to mas não vê es­se es­for­ço re­co­nhe­ci­do. «Sei que pro­du­zo al­go não mui­to tan­gí­vel, mas é in­ves­ti­ga­ção bá­si­ca, que dá ori­gem à prática.»

    Cláudia até con­si­de­ra ter al­gu­ma fle­xi­bi­li­da­de pa­ra aguen­tar es­ta vi­da du­ran­te mais uns tem­pos – mas aca­ba por con­fes­sar que já era tem­po de ter tra­ba­lho a sé­rio. «Há tan­ta gen­te que o faz lo­go de­pois da li­cen­ci­a­tu­ra… Em Ciência, mes­mo com o dou­to­ra­men­to, con­ti­nu­a­mos a ser bol­sei­ros.» E es­te po­de ser só mais um de­grau, nu­ma lon­ga car­rei­ra. «Com a re­cen­te al­te­ra­ção da lei, é pos­sí­vel con­cor­rer a bol­sas de pós-doc… o res­to da vida.»

    Melhor é pos­sí­vel
    É es­sa in­cer­te­za quan­to ao fu­tu­ro que in­co­mo­da, pro­fun­da­men­te, Vera Assis Fernandes, 35 anos, in­ves­ti­ga­do­ra do Instituto Geofísico da Universidade de Coimbra e co­la­bo­ra­do­ra do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Manchester. Foi a pri­mei­ra por­tu­gue­sa a fa­zer par­te da equi­pa de pes­qui­sa de me­te­o­ri­tos na Antárctida, mas con­ti­nua a ser bol­sei­ra – ago­ra, de pós-dou­to­ra­men­to. E não se con­for­ma com o es­ta­do das coi­sas: «Difícil e com­pli­ca­do não é im­pos­sí­vel, não po­de­mos con­ti­nu­ar a en­co­lher os om­bros.» Depois de vi­ver 13 anos fo­ra do País, Vera fez fu­ror, no úl­ti­mo Fórum Internacional de Investigadores Portugueses, ao di­zer, al­to e bom som, que o Portugal, on­de nas­ceu, «ain­da re­pri­me a in­te­li­gên­cia» – e que mui­ta coi­sa tem de mu­dar pa­ra evi­tar a tão fa­la­da fu­ga de cérebros.

    No Verão pas­sa­do, de­pois de mui­to su­or e al­gu­ma rai­va, con­se­guiu uma au­di­ên­cia no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). «Não que­ria só cri­ti­car, que­ria tam­bém apre­sen­tar su­ges­tões.» Sobretudo so­bre os pós-dou­to­ra­dos. «No res­to da Europa, con­si­de­ra-se es­ta fa­se uma pro­fis­si­o­na­li­za­ção, com re­ga­li­as iguais às de ou­tro tra­ba­lha­dor.» Cá, bol­sei­ros são es­tu­dan­tes, mas os pós-docs nem is­so. «Somos fan­tas­mas, não te­mos exis­tên­cia ofi­ci­al, na uni­ver­si­da­de, nem car­tão pa­ra ir à bi­bli­o­te­ca ou à cantina.»

    Dois me­ses de­pois da reu­nião no mi­nis­té­rio, Vera vol­tou a li­gar. «Queria sa­ber o que ti­nha acon­te­ci­do às nos­sas pro­pos­tas», con­ta, su­bli­nhan­do que re­gres­sou a Portugal por sen­tir que ti­nha um de­ver a cum­prir. «É mais fá­cil con­tri­buir pa­ra o de­sen­vol­vi­men­to do meu País, es­tan­do aqui.»

    Há di­as em que as ba­te­ri­as se re­no­vam, há di­as de um gran­de can­sa­ço. «Portugal tem con­su­mi­do mui­ta da mi­nha ener­gia», la­men­ta. «Oiço de­ma­si­a­das ve­zes ‘se não po­des ven­cer, jun­ta-te a eles’. Esse é o le­ma da mediocridade.»

    Bolsa não é em­pre­go
    «Para a mai­o­ria, as bol­sas são a úni­ca saí­da.» A acu­sa­ção é de João Ferreira, bió­lo­go, 27 anos, bol­sei­ro de dou­to­ra­men­to e pre­si­den­te da ABIC, for­ma­da há três anos, quan­do co­me­çou a avo­lu­mar-se es­ta in­qui­e­ta­ção so­bre o fu­tu­ro dos pro­fis­si­o­nais da ci­ên­cia e tec­no­lo­gia em Portugal. O seu pro­tes­to já é co­nhe­ci­do: «Somos al­ta­men­te qua­li­fi­ca­dos, ba­ra­tos e des­car­tá­veis.»
    E mui­to des­con­si­de­ra­dos. «A in­ves­ti­ga­ção não é en­ca­ra­da co­mo tra­ba­lho», su­bli­nha João, apon­tan­do aque­la que é a rei­vin­di­ca­ção mai­or da Carta do Investigador. «Tem si­do ne­ga­da aos bol­sei­ros uma sé­rie de di­rei­tos, com o ar­gu­men­to de es­ta­rem em for­ma­ção; o que di­ze­mos, e a Comissão Europeia subs­cre­ve, é que se tra­ta de for­ma­ção a trabalhar.»

    Para a ABIC, não há ce­dên­ci­as: os bol­sei­ros de­vem ser tra­ta­dos co­mo ou­tros tra­ba­lha­do­res. Em sua de­fe­sa, exi­gem fis­ca­li­za­ção efi­caz às bol­sas usa­das pa­ra col­ma­tar fa­lhas de pes­so­al, uma se­gu­ran­ça so­ci­al ade­qua­da e ain­da, cla­ro, ac­tu­a­li­za­ções. Actualmente, uma bol­sa de dou­to­ra­men­to va­le 980 eu­ros, um pós-doc cer­ca de mil e qui­nhen­tos. «Há qua­tro anos que es­tes mon­tan­tes não aumentam…»

    Quantas pes­so­as es­tão nes­ta si­tu­a­ção, não se sa­be, ao cer­to. Segundo a Fundação pa­ra a Ciência e Tecnologia, a prin­ci­pal en­ti­da­de fi­nan­ci­a­do­ra, no ano pas­sa­do fo­ram apoi­a­dos per­to de 4 mil bol­sei­ros. Mas o pre­si­den­te da ABIC in­sis­te em que fal­ta um re­cen­se­a­men­to ri­go­ro­so, por­que há vá­ri­as en­ti­da­des a con­ce­der bol­sas – e não exis­te, ape­sar de pre­vis­to na lei, um re­gis­to na­ci­o­nal de bol­sei­ros. «Acrescentando os que es­tão em la­bo­ra­tó­ri­os do Estado, cal­cu­la­mos se­rem per­to de 8 mil.»

    Estatuto de pa­pel
    As con­tas da Associação não aca­bam aqui. De acor­do com o Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico, Portugal tem 21 mil in­ves­ti­ga­do­res a tem­po in­te­gral. «Um ter­ço são bolseiros.»

    Para a ABIC, igual­men­te pre­o­cu­pan­te é a in­ver­são da ló­gi­ca das coi­sas – tor­na-se mui­to mais ba­ra­to ter um bol­sei­ro do que con­tra­tar al­guém. Diz João Ferreira que is­so acon­te­ce de­ma­si­a­das ve­zes, em­pur­ran­do mi­lha­res de ci­en­tis­tas pa­ra o es­tran­gei­ro. «Há quem di­ga que a ida pa­ra fo­ra é mui­to po­si­ti­va, e é, des­de que não se­ja por fal­ta de al­ter­na­ti­va.» E o pro­ble­ma só se tem agra­va­do. Depois do gran­de bo­om de dou­to­ra­men­tos, nos anos 90, cri­a­ram-se pós-docs (com du­ra­ção de três anos) pa­ra amor­te­cer a fal­ta de em­pre­go. Mas há quem já vá no ter­cei­ro pós-dou­to­ra­men­to, sem so­lu­ção à vista.

    «É ver­da­de que as ques­tões da ci­ên­cia ad­qui­ri­ram uma cen­tra­li­da­de no dis­cur­so po­lí­ti­co, mas em con­cre­to não há res­pos­tas», con­ti­nua o pre­si­den­te da Associação de Bolseiros, lem­bran­do que o em­pre­go ci­en­tí­fi­co foi uma das ban­dei­ras da cam­pa­nha so­ci­a­lis­ta.
    O de­do es­tá apon­ta­do ao ac­tu­al mi­nis­té­rio. «O pró­prio Mariano Gago di­zia, em 2004 – ain­da ti­nha a pas­ta… –, que não acha­va pos­sí­vel o País re­sis­tir mui­tos mais anos com os qua­dros blo­que­a­dos, mas não há si­nais de mu­dan­ça.» Até à ho­ra de fe­cho da edi­ção, o mi­nis­tro não quis comentar.

    Indústria e de­mais em­pre­sas po­de­ri­am tam­bém ab­sor­ver es­ta gen­te, al­ta­men­te qua­li­fi­ca­da. «Mas is­so não acon­te­ce», ga­ran­te o pre­si­den­te dos bol­sei­ros. A res­pos­ta da Agência de Inovação, so­bre o Programa de Inserção de Mestres e Doutores, per­mi­te a mes­ma lei­tu­ra. Instituído em 1996, quan­tas pes­so­as fo­ram bem su­ce­di­das? «Está nes­te mo­men­to a ser fei­ta uma ava­li­a­ção», res­pon­de a AdI, por e-mail.

    João la­men­ta a inér­cia: «Não há apos­ta sé­ria na ci­ên­cia, sem in­ves­ti­men­to nos que ne­la tra­ba­lham.» E a pre­o­cu­pa­ção é par­ti­lha­da por ou­tros pi­la­res do sis­te­ma ci­en­tí­fi­co na­ci­o­nal: «Temos pes­so­as al­ta­men­te qua­li­fi­ca­das, que en­con­tram em­pre­go em qual­quer par­te do mun­do, mas não con­se­gui­mos atrair pa­ra o País quem ga­ran­ta a sus­ten­ta­bi­li­da­de do nos­so sis­te­ma ci­en­tí­fi­co», de­fen­de João Caraça, di­rec­tor do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian.

    «Numa so­ci­e­da­de em que a eco­no­mia se ba­seia no co­nhe­ci­men­to, o nos­so fu­tu­ro pas­sa pe­la ci­ên­cia e tec­no­lo­gia que con­se­guir­mos cri­ar e de­sen­vol­ver. E o Estado não só tem res­pon­sa­bi­li­da­des», ad­ver­te o fí­si­co e ca­te­drá­ti­co da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais, «co­mo de­ve dar o exem­plo?» João Sentieiro, pre­si­den­te da FCT, as­su­me que há tra­ba­lho a fa­zer. «É ne­ces­sá­rio que o es­for­ço de for­ma­ção te­nha cor­res­pon­dên­cia na in­ser­ção profissional.»

    Cérebros em fu­ga
    Quem es­tá mes­mo de­ci­di­do a dei­xar de ser bol­sei­ro é João Garcia da Fonseca, 33 anos. Premiado no con­cur­so de bi­o­em­pre­en­de­do­res, em 2004, re­sol­veu que o pro­jec­to Biosurfit, que pos­si­bi­li­ta a cri­a­ção de pla­ta­for­mas de tes­tes mé­di­cos de re­sul­ta­do rá­pi­do, vai ser uma re­a­li­da­de. «A so­lu­ção pa­ra aca­bar com a vi­da de bol­sei­ro foi cri­ar a mi­nha pró­pria empresa.»

    Engenheiro fí­si­co li­cen­ci­a­do no Instituto Superior Técnico (IST), dou­to­ra­do em Estrasburgo, João re­gres­sou a Lisboa, no ano 2000. Fez um pós-doc e, en­tre­tan­to, mon­tou uma em­pre­sa de in­ves­ti­ga­ção e de­sen­vol­vi­men­to, con­cor­ren­do a um apoio da Agência de Inovação. Por cau­sa de bu­ro­cra­ci­as, não che­gou a ver a cor do di­nhei­ro. Fechou as por­tas pou­co de­pois, e vol­tou à in­ves­ti­ga­ção, com uma se­gun­da bol­sa de pós-doutoramento.

    Mas, ano no­vo vi­da no­va. «Já es­tu­do há imen­sos anos e ago­ra que­ro apli­car es­se co­nhe­ci­men­to em al­go útil.» Nem por hi­pó­te­se pen­sa em vol­tar a ser bol­sei­ro. «Como não há car­rei­ras de in­ves­ti­ga­ção, o que se po­de es­pe­rar? Dar au­las nu­ma uni­ver­si­da­de pri­va­da, on­de se tra­ba­lha bas­tan­te, ga­nha-se mal, e os alu­nos são fra­cos? Isso é de­fi­nhar aos pou­cos. A ou­tra op­ção é es­pe­rar por uma va­ga, mas aí são se­te cães a um osso…»

    Há quem mu­de de vi­da, há quem vá pa­ra o es­tran­gei­ro. João Garcia lem­bra-se bem do ca­so do seu ami­go e ex-co­le­ga de car­tei­ra, Ivo Sousa, que fez o dou­to­ra­men­to nos Estados Unidos e por lá fi­cou. O fí­si­co por­tu­guês até es­ta­va de­ci­di­do a vol­tar, mas foi-lhe mais fá­cil en­con­trar tra­ba­lho na América. «O fac­to de ele ter ido com fi­nan­ci­a­men­to por­tu­guês tor­na a si­tu­a­ção ain­da mais es­tra­nha, por­que foi di­nhei­ro dei­ta­do fo­ra», re­cor­da João, acres­cen­tan­do que Ivo até já pos­suía um pós-dou­to­ra­men­to, mas a úni­ca pos­si­bi­li­da­de de en­trar co­mo do­cen­te nu­ma uni­ver­si­da­de por­tu­gue­sa era pe­la por­ta do ca­va­lo. «Ele ain­da fez sa­ber que, se ti­ves­se uma pro­pos­ta de­cen­te, vol­ta­va.» Nada. Em Janeiro de 2004, con­se­guiu lu­gar co­mo pro­fes­sor na pres­ti­gi­a­da Universidade de Berkeley, na Califórnia.

    O tra­ba­lho de­sen­vol­vi­do por Ivo Sousa, no dou­to­ra­men­to, e fi­nan­ci­a­do pe­la Fundação pa­ra a Ciência e Tecnologia, foi, en­tre­tan­to, aplau­di­do pe­los seus pa­res: nes­se ano, ga­nhou o pré­mio George E. Valley, atri­buí­do pe­la American Physical Society a in­ves­ti­ga­do­res em iní­cio de car­rei­ra. No ano pas­sa­do, foi ga­lar­do­a­do pe­la Fundação Luso-Brasileira, um pré­mio atri­buí­do pe­la pri­mei­ra vez, pa­ra ce­le­brar a ex­ce­lên­cia e o mé­ri­to, no mun­do português…

    O re­gres­so e o fu­tu­ro…
    «Nos EUA, há fi­la de es­pe­ra mas as ex­pec­ta­ti­vas são re­ais; cá são com­ple­ta­men­te ir­re­a­lis­tas.» É por is­so que, de tem­pos a tem­pos, Henrique Pereira, 33 anos, en­ge­nhei­ro elec­tro­téc­ni­co «emi­gra­do» pa­ra a Ecologia, di­rec­tor da Comissão Coordenadora na­ci­o­nal da ini­ci­a­ti­va Millenium Ecosystem Assessment, dou­to­ra­men­to e pós-
doc fei­to nos EUA, pa­re­ce re­sol­vi­do a uma se­gun­da tra­ves­sia do Atlântico. Agora, até sus­pen­deu a se­gun­da bol­sa de pós-dou­to­ra­men­to, pa­ra acei­tar um con­tra­to de subs­ti­tui­ção de pro­fes­sor au­xi­li­ar, no IST. Mas co­mo o lu­gar só é cer­to até Fevereiro de 2007, ator­men­ta-se vá­ri­as ve­zes com a per­gun­ta: «E de­pois ?» O mais pro­vá­vel, re­co­nhe­ce, ho­je, que tem mu­lher e fi­lhos pe­que­nos, é vol­tar a ser bol­sei­ro. «Há os que de­sis­tem, e ar­ran­jam em­pre­go nou­tro sí­tio qual­quer, e há os que persistem.»

    À pri­mei­ra vis­ta, Paula Duque, 35 anos, pa­re­ce ter ti­do me­lhor sor­te. Vivia em Nova Iorque há seis anos, quan­do a con­vi­da­ram pa­ra vol­tar – é uma das se­te ci­en­tis­tas que o Instituto Gulbenkian de Ciência de­sa­fi­ou a re­gres­sar a Portugal pa­ra mon­tar um la­bo­ra­tó­rio de raiz. «Para fa­zer a mi­nha ciência.»

    Mas até vol­tar pa­ra ca­sa, foi um lon­go per­cur­so. Estudou Biologia na Faculdade de Ciências e par­ti­ci­pou, de­pois, no Programa de Doutoramento em Biologia e Medicina da Fundação Gulbenkian. No ano se­guin­te, deu au­las a alu­nos do 8.° ano, mas tra­tou-se ape­nas um com­pas­so de es­pe­ra. «Sabia que, se que­ria apren­der o que de me­lhor se pro­duz no mun­do, ti­nha de ir pa­ra fo­ra.» E, se bem o pen­sou, me­lhor o fez. Mudou-se pa­ra o Rockefeller Institute, em Nova Iorque, on­de com­ple­tou dois pós-doutoramentos.

    Acabadinha de ater­rar – «A 24 de Dezembro, ain­da vi­via em Nova Iorque. Cheguei à Portela à ho­ra de al­mo­ço?» – es­tá fe­li­cís­si­ma, mas… «Por en­quan­to, não te­nho lu­gar, is­to é só uma ram­pa de lan­ça­men­to.» Na ver­da­de, Paula re­gres­sa à con­ta de uma Marie Curie, uma bol­sa fi­nan­ci­a­da pe­la União Europeia que atri­bui apoio a in­ves­ti­ga­do­res fo­ra do seu país há mais de cin­co anos e que que­rem re­gres­sar a ca­sa. Ou se­ja, con­ti­nua a ser bol­sei­ra. Segue-se o de­sa­ba­fo: «Nós não que­re­mos um em­pre­go, o im­por­tan­te é ter um con­tra­to de tem­po ra­zoá­vel pa­ra fa­zer ci­ên­cia.» E re­ma­ta: «Só as­sim se fo­men­ta a excelência.»