Bolseiros concentraram-se à porta do Parlamento para dizer que estão nas lonas

Bolseiros con­cen­tra­ram-se à por­ta do Parlamento pa­ra di­zer que es­tão nas lonas

 In Público, 31 de Outubro 2006

Integração no re­gi­me ge­ral de Segurança Social é a prin­ci­pal rei­vin­di­ca­ção,
já que só po­dem des­con­tar com ba­se no sa­lá­rio mí­ni­mo.

    Espalharam ten­das em fren­te à Assembleia da República e le­va­ram car­ta­zes e fai­xas a di­zer: “Mais 64 por cen­to de bol­sas pre­cá­ri­as?”, “Investigar é tra­ba­lhar”, “Segurança Social já” ou “Queremos pa­gar IRS”. Os bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção que acam­pa­ram on­tem à tar­de, em Lisboa, qui­se­ram apro­vei­tar o fac­to de o Orçamento do Estado pa­ra 2007 ter um au­men­to de ver­bas pa­ra a ci­ên­cia pa­ra fa­zer uma per­gun­ta: “Quanto des­se di­nhei­ro vai ser usa­do pa­ra me­lho­rar a si­tu­a­ção da­que­les que tra­ba­lham em ci­ên­cia?”
    Por trás da per­gun­ta es­tá o anún­cio de que, no Orçamento de 2007, a in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca te­rá uma su­bi­da das des­pe­sas de in­ves­ti­men­to de 77 por cen­to fa­ce ao or­ça­men­to ini­ci­al de 2006. Tal per­cen­ta­gem cor­res­pon­de­rá a 579,9 mi­lhões de eu­ros, con­tra os 327,5 mi­lhões de eu­ros de 2006.
    E, se se olhar pa­ra o di­nhei­ro to­tal pa­ra a ci­ên­cia, tan­to pa­ra fun­ci­o­na­men­to co­mo in­ves­ti­men­to, en­tão as ver­bas pas­sa­rão pa­ra 630 mi­lhões de eu­ros. Assim, o au­men­to se­rá de 65,7 por cen­to – e es­te é o úl­ti­mo va­lor apu­ra­do, por­que, no iní­cio de Outubro, o pri­mei­ro-mi­nis­tro fa­lou em 64 por cen­to.
    Foi aí que os ma­ni­fes­tan­tes se ins­pi­ra­ram pa­ra um dos slo­gans, pois con­si­de­ram que o Estatuto do Bolseiro de Investigação não lhes re­co­nhe­ce al­guns di­rei­tos bá­si­cos – co­mo não po­de­rem in­cluir-se no re­gi­me ge­ral da Segurança Social.
“É a prin­ci­pal ques­tão com que nos te­mos ba­ti­do”, diz João Ferreira, pre­si­den­te da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), que or­ga­ni­zou a con­cen­tra­ção, cha­ma­da Cientistas nas Lonas.
    Os bol­sei­ros po­dem ade­rir vo­lun­ta­ri­a­men­te ao re­gi­me de Segurança Social on­de se in­clu­em, por exem­plo, as do­més­ti­cas ou os bom­bei­ros vo­lun­tá­ri­os, su­bli­nha João Ferreira. “Mas con­fe­re pou­ca pro­tec­ção. Os bol­sei­ros que des­con­tam pa­ra es­te re­gi­me fa­zem-no com ba­se no sa­lá­rio mí­ni­mo na­ci­o­nal, ape­sar de re­ce­be­rem mais. É mau pa­ra a Segurança Social e mau pa­ra o pró­prio bol­sei­ro.”
    Não só a re­for­ma se ba­se­a­rá tam­bém nes­ses des­con­tos mí­ni­mos, co­mo, em ca­so de do­en­ça, a bai­xa se­rá pa­ga con­si­de­ran­do es­se va­lor.
    Subsídio de de­sem­pre­go é ou­tra coi­sa a que os bol­sei­ros não têm di­rei­to, além de só re­ce­be­rem 12 me­ses de bol­sa, e não 14 co­mo os ou­tros tra­ba­lha­do­res. “Podem ter bol­sas su­ces­si­vas e, se fi­ca­rem sem em­pre­go, não têm sub­sí­dio”, con­ta João Ferreira.
    “Há um abu­so da fi­gu­ra do bol­sei­ro. As bol­sas de­vi­am ser­vir pa­ra a ob­ten­ção de graus aca­dé­mi­cos. Fora dis­so, as pes­so­as de­vi­am ter um con­tra­to de tra­ba­lho”, diz.
    “Cá, o que se faz é não só atri­buir bol­sas pa­ra mes­tra­dos ou dou­to­ra­men­tos, mas pa­ra uma ga­ma ac­ti­vi­da­des pa­ra as quais é pre­ci­sa mão-de-obra”, la­men­ta. “Como as ins­ti­tui­ções não po­dem me­ter mão-de-obra nos qua­dros, ou mes­mo que pos­sam ce­le­brar con­tra­tos de tra­ba­lho a pra­zo, é mais ba­ra­to me­ter bol­sei­ros. Tem de aca­bar es­te abu­so.”
    Para a ABIC, tu­do is­to con­tra­ria as re­co­men­da­ções in­ter­na­ci­o­nais, co­mo a Carta Europeia do Investigador, apro­va­da pe­la Comissão Europeia em 2005: “Os bol­sei­ros não de­vem ser dis­cri­mi­na­dos fa­ce aos res­tan­tes tra­ba­lha­do­res.”
    Depois de ter­mi­na­das as bol­sas, a fal­ta de pers­pec­ti­vas de in­ser­ção pro­fis­si­o­nal é ou­tro dos pro­ble­mas. Na pro­pos­ta de Orçamento de 2007 diz-se que se­rão con­tra­ta­dos mil dou­to­ra­dos até 2009 (500 em 2007). Para a ABIC, a con­tra­ta­ção a ter­mo dos 500 ci­en­tis­tas, por cin­co anos, “é in­su­fi­ci­en­te fa­ce às ac­tu­ais ne­ces­si­da­des das ins­ti­tui­ções de in­ves­ti­ga­ção e aos mi­lha­res de dou­to­ra­dos e pós-dou­to­ra­dos em con­di­ções de in­gres­sar já nu­ma car­rei­ra”.
    Com a con­cen­tra­ção à por­ta do Parlamento, qui­se­ram dar vi­si­bi­li­da­de aos seus pro­ble­mas e, co­mo di­zem num co­mu­ni­ca­do, “dar a co­nhe­cer a con­tra­di­ção en­tre as de­cla­ra­ções de apos­ta e in­ves­ti­men­to na ci­ên­cia e a si­tu­a­ção ho­je vi­vi­da pe­los bol­sei­ros”.
    As ten­das, de lo­na ou não, ser­vi­ram de me­tá­fo­ra. “Simbolizam o fac­to de os ci­en­tis­tas es­ta­rem nas lo­nas”, diz João Ferreira. Um dos bol­sei­ros, de ba­ta bran­ca, ou não fos­se es­se um íco­ne dos ci­en­tis­tas, le­vou mes­mo um fo­gão de cam­pis­mo e ma­te­ri­al de vi­dro de la­bo­ra­tó­rio, no qual fez chá de ca­mo­mi­la. Para dis­tri­buir a quem o quis.