Bolseiros asseguram grossa fatia da Ciência
In Jornal de Notícias, 24 de Novembro 2004
De muito se faz o sistema científico de um país cérebros, investimento, organização, planeamento a vários prazos. Até do público leigo, cuja abertura e sensibilidade para este mundo lhe permite descortinar que, afinal, tudo isso lhe diz respeito e muito. Hoje, Dia Nacional da Cultura Científica, o JN leva-o até gente que vive estas questões no dia-a-dia. A começar por jovens, como os bolseiros.
Parte significativa da actividade de pesquisa em Portugal é assegurada por bolseiros, muitos deles podendo ser classificados como investigadores, caso a sua situação não fosse mantida como precária. No conjunto, serão uns 8.500, dos quais 1.500 se encontram no estrangeiro. Os que estão em Portugal serão mais de sete mil e queixam-se. Por eles, que vêem eternizada sua condição. E pelo sistema científico nacional, que não ganha estabilidade nas instituições e projectos.
Não há perspectivas de emprego científico em Portugal para os milhares de bolseiros desta área. Esta é a constação da ABIC (Associação de Bolseiros de Investigação Científica), que considera “abusiva” a utilização daqueles que representa para satisfazer necessidades permanentes das unidades de pesquisa.
Falta de vagas
Um bolseiro pode percorrer uma “carreira” que não desemboca em trabalho científico, dada a persistente falta de vagas nas instituições. Ele pode começar como finalista de um curso universitário (recebendo cerca de 300 euros).
Quando licenciado, poderá concorrer a uma bolsa de investigação em universidades ou laboratórios do Estado. Será, por regra uma bolsa anual, renovável até três anos e com um valor aproximado aos 740 euros. Nesta escalada poderá ainda passar por bolsas de mestrado e doutoramento (estas últimas não chegando aos mil euros). Com limite de três anos, acederá, depois, a uma bolsa de pós-doutoramento, por 1.500 euros.
É todo este percurso que alimenta em grande parte a actividade das instituições de pesquisa, garante João Ferreira, classificando “a formação como uma capa”. Com o recurso a eles, as instituições de investigação estarão a tentar colmatar as restrições à contratação de novos investigadores, dado que há anos as carreiras de investigação estão bloqueadas, afirma ainda.
A ABIC manifesta dúvidas sobre a forma como poderão ser cumpridas as metas da União Europeia, que somariam, até 2006, cinco mil novos investigadores ao sistema científico nacional. Entretanto, o incentivo ao regresso de cérebros (sobre os quais chegou a ser anunciada a exigência de elevado número de artigos científicos publicados) aguarda pela aprovação da medida da União Europeia. E em que será enquadrado e será ainda sujeito a concurso nacional em Janeiro.
Novo estatuto vai manter mais de sete mil em espera
Em Agosto , foi publicado novo estatuto do bolseiro de investigação, mas as alterações à anterior versão não corresponderam à expectativa dos que por ele são abrangidos. É certo que, agora, po-de haver assistência na doença, admite João Ferreira. Mas o dirigente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) diz que continua muito precário o regime de Segurança Social (idêntico ao aplicado às domésticas). Por outro lado, refere, foi admitido o gozo de 22 dias de descanso, mas não há subsídio de férias ou de Natal. Entretanto, desapareceu o limite máximo para as bolsas, que estava fixado em seis anos “Nada impede que se seja bolseiro ad eternum”, comenta João Ferreira, criticando “a falta de medidas concretas de e para a promoção do emprego científico”.