Associação Nacional dos Bolseiros de Investigação nasce hoje

Associação Nacional dos Bolseiros de Investigação nas­ce hoje

 In Público, 1 de Fevereiro 2003

   Reunião em Lisboa

    Jovens ci­en­tis­tas re­cla­mam con­di­ções so­ci­ais e fi­nan­cei­ras de tra­ba­lho en­quan­to in­ves­ti­ga­do­res e di­ri­gen­tes re­co­nhe­cem que o sis­te­ma ci­en­tí­fi­co na­ci­o­nal es­tá mui­to de­pen­den­te nos bol­sei­ros
    O au­di­tó­rio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa re­ce­be ho­je a pri­mei­ra reu­nião na­ci­o­nal de bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca. Os bol­sei­ros reu­ni­ram-se nu­ma pla­ta­for­ma, há cer­ca de um ano, pa­ra rei­vin­di­ca­rem as con­di­ções so­ci­ais e de es­ta­tu­to, den­tro das ins­ti­tui­ções ci­en­tí­fi­cas, que até ho­je lhes fo­ram ne­ga­das. Hoje de­ve­rão trans­for­mar-se nu­ma as­so­ci­a­ção na­ci­o­nal. Mas quem são es­tes bol­sei­ros, que in­ves­ti­ga­do­res de re­no­me re­co­nhe­cem co­mo a ba­se do sis­te­ma ci­en­tí­fi­co por­tu­guês? São jo­vens cu­jos pla­nos pa­ra o fu­tu­ro não po­dem ir além da du­ra­ção da bol­sa mas que gos­ta­vam de sa­ber o que sig­ni­fi­ca ter em­pre­go.
    João Ferreira, bió­lo­go e bol­sei­ro de ini­ci­a­ção à in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca há dois anos, tem de re­par­tir, nos úl­ti­mos tem­pos, a sua aten­ção en­tre os brió­fi­tos e a bi­o­mo­ni­to­ri­za­ção, in­ves­ti­ga­ção que de­sen­vol­ve no Jardim Botânico de Lisboa co­mo bol­sei­ro, e os “dos­si­ers” com a do­cu­men­ta­ção da Plataforma de Bolseiros, da qual é mem­bro. Notícias, es­ta­tu­tos, de­cre­tos-de-lei, que co­nhe­ce já de trás pa­ra a fren­te.
    Em Julho, os jo­vens ci­en­tis­tas que tra­ba­lham em ins­ti­tui­ções a tro­co de um sub­sí­dio, a bol­sa, sem ga­ran­tia de em­pre­go, reu­ni­ram as su­as quei­xas num ca­der­no rei­vin­di­ca­ti­vo, apre­sen­ta­do aos par­ti­dos com acen­to par­la­men­tar. A po­lé­mi­ca es­ta­lou e a ade­são dos bol­sei­ros na­ci­o­nais ao mo­vi­men­to alar­gou-se. A cri­a­ção de uma as­so­ci­a­ção na­ci­o­nal era por is­so ine­vi­tá­vel: to­ma ho­je for­ma, às 15h00, no au­di­tó­rio da Faculdade de ci­ên­ci­as da Universidade de Lisboa.
    Queixam-se de uma uti­li­za­ção abu­si­va da fi­gu­ra do bol­sei­ro que, de acor­do com o es­ta­tu­to, apro­va­do em 1999, não per­mi­te que cum­pram ta­re­fas que se­jam ne­ces­si­da­des per­ma­nen­tes dos ins­ti­tu­tos em que são in­se­ri­dos: “A bol­sa de­via ser en­ca­ra­da co­mo um pe­río­do de for­ma­ção ou de ini­ci­a­ção à in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca.     Há bol­sei­ros a as­se­gu­rar ser­vi­ços e a co­or­de­nar pro­jec­tos. Deviam ser ac­ci­o­na­dos con­tra­tos de tra­ba­lho pa­ra es­tes fal­sos bol­sei­ros, nem que fos­se a ter­mo. Se o tra­ba­lho do bol­sei­ro é ne­ces­sá­rio, ele tem de ser re­co­nhe­ci­do co­mo tra­ba­lha­dor”, de­fen­de.
    Enquanto bol­sei­ros, os jo­vens in­ves­ti­ga­do­res são pa­gos por uma ins­ti­tui­ção fi­nan­ci­a­do­ra. Durante es­se pe­río­do, que se po­de pro­lon­gar por seis anos no ca­so de pós-dou­to­ra­men­to, o bol­sei­ro não tem di­rei­to a sub­sí­dio de fé­ri­as ou 13º mês, ou sub­sí­dio de de­sem­pre­go. E o se­gu­ro so­ci­al vo­lun­tá­rio, uma es­pé­cie de se­gu­ran­ça so­ci­al, mas de des­con­to não obri­ga­tó­rio, co­mo o no­me in­di­ca, pa­ra além de ser uma con­quis­ta re­cen­te, não é um des­con­to pro­por­ci­o­nal ao va­lor da bol­sa e dei­xa de fo­ra, por exem­plo, fal­tas por do­en­ça. Se ado­e­cer, o bol­sei­ro dei­xa sim­ples­men­te de re­ce­ber. “É um des­con­to co­mo o que es­tá pre­vis­to pa­ra o tra­ba­lho vo­lun­tá­rio ou pa­ra as em­pre­ga­das do­més­ti­cas e re­cai so­bre o or­de­na­do mí­ni­mo na­ci­o­nal”, ex­pli­ca João Ferreira. 

    Peso des­pro­por­ci­o­na­do nas instituições

    Não se sa­be ao cer­to quan­tos bol­sei­ros exis­tem ao to­do em Portugal. A Fundação pa­ra a Ciência e a Tecnologia, prin­ci­pal fi­nan­ci­a­do­ra do sis­te­ma ci­en­tí­fi­co na­ci­o­nal, apoia 4000 bol­sei­ros. Mas a pla­ta­for­ma es­ti­ma que os nú­me­ros ron­dem o do­bro, en­tre os fi­nan­ci­a­dos por pro­jec­tos pon­tu­ais e pe­las pró­pri­as ins­ti­tui­ções de aco­lhi­men­to.
    O PÚBLICO apu­rou, en­tre al­gu­mas ins­ti­tui­ções de re­fe­rên­cia na­ci­o­nal que na re­la­ção en­tre o nú­me­ro de bol­sei­ros e o nú­me­ro de in­ves­ti­ga­do­res do qua­dro das ins­ti­tui­ções, o pra­to da ba­lan­ça pe­sa qua­se sem­pre mais pa­ra o pri­mei­ro la­do.
    No Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), la­bo­ra­tó­rio do Estado afec­to ao Ministério da Saúde, com res­pon­sa­bi­li­da­de em ser­vi­ços es­sen­ci­ais na área da saú­de pú­bli­ca, exis­tem cer­ca de 30 in­ves­ti­ga­do­res de qua­dro e 60 bol­sei­ros. No Instituto Gulbenkian de Ciência, la­bo­ra­tó­rio as­so­ci­a­do do Estado, a di­fe­ren­ça é gran­de, com qua­se 130 bol­sei­ros e ape­nas 3 in­ves­ti­ga­do­res de qua­dro. Mas, ex­pli­cam os res­pon­sá­veis, o fac­to de se tra­tar de uma ins­ti­tui­ção de for­ma­ção e pro­mo­ção da mo­bi­li­da­de en­tre ins­ti­tui­ções jus­ti­fi­ca a di­fe­ren­ça.
    João Lavinha, di­rec­tor do INSA, não tem dú­vi­das de que, se os bol­sei­ros pa­ras­sem, a pro­du­ção ci­en­tí­fi­ca do ins­ti­tu­to sai­ria aba­la­da. A di­fi­cul­da­de em abrir va­gas nos qua­dros das ins­ti­tui­ções põe em cau­sa tra­ba­lhos in­dis­pen­sá­veis: “Há uma que­bra de con­ti­nui­da­de. Os bol­sei­ros vão em­bo­ra e as equi­pas es­tão ca­da vez mais en­ve­lhe­ci­das. É o fu­tu­ro da co­mu­ni­da­de ci­en­tí­fi­ca que es­tá a ser jul­ga­do. É in­dis­pen­sá­vel al­te­rar a si­tu­a­ção”, de­fen­de.
    “Ser bol­sei­ro não po­de ser pa­ra to­da a vi­da. É um es­ta­tu­to de pas­sa­gem e re­co­nhe­ço que há fal­ta de em­pre­go ci­en­tí­fi­co”, con­fes­sa João Pina Cabral, pre­si­den­te do Conselho Científico do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
    Manuel Sobrinho Simões, di­rec­tor do Instituto de Imunologia e Patologia Molecular da Universidade do Porto, la­bo­ra­tó­rio as­so­ci­a­do do Estado, on­de exis­tem cer­ca de 30 bol­sei­ros, de­nun­cia um cli­ma de “de­pres­são” que di­mi­nui as ex­pec­ta­ti­vas e ge­ra uma bo­la-de-ne­ve de de­sâ­ni­mo. “O es­ta­tu­to ac­tu­al não é fa­vo­rá­vel aos bol­sei­ros por­que não os tra­ta co­mo jo­vens pro­fis­si­o­nais a ini­ci­ar a vi­da la­bo­ral. Trata-os co­mo uma es­pé­cie de mão-de-obra qua­li­fi­ca­da, fa­cil­men­te des­car­tá­vel”.
    Sem al­ter­na­ti­va de in­gres­so nas ins­ti­tui­ções, res­ta aos bol­sei­ros re­cor­rer às em­pre­sas, mas Sobrinho Simões não vê que es­tas se­jam uma al­ter­na­ti­va: “Infelizmente a mai­o­ria das em­pre­sas não tem de­mons­tra­do in­te­res­se em ab­sor­ver gen­te com for­ma­ção ci­en­tí­fi­ca, nem em cri­ar es­tru­tu­ras in­ves­ti­ga­ci­o­nais pró­pri­as”.
    Para João Ferreira, é im­por­tan­te que a as­so­ci­a­ção que ho­je nas­ce des­per­te a opi­nião pú­bli­ca pa­ra um pro­ble­ma que não é dos bol­sei­ros ou da in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca, mas sim do país. “A fal­ta de em­pre­go ci­en­tí­fi­co é um pro­ble­ma de to­dos. Temos de sa­ber o que fa­zer com os re­cur­sos hu­ma­nos que for­ma­mos e nos quais in­ves­ti­mos. Tem a ver com a de­fi­ni­ção de ru­mo que que­re­mos pa­ra o país”.