Sobre a atribuição do apoio extraordinário para mitigação dos efeitos da inflação aos investigadores com bolsa

No pas­sa­do dia 9 de Setembro, a ABIC ques­ti­o­nou o Governo so­bre a abran­gên­cia da atri­bui­ção do apoio ex­tra­or­di­ná­rio de 125 eu­ros a ca­da ci­da­dão com ren­di­men­to até 2700 eu­ros bru­tos men­sais, após a pu­bli­ca­ção do tex­to cons­tan­te do Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de Setembro.

Especificamente, as ques­tões ver­sa­ram so­bre a in­clu­são de to­dos os in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa, in­de­pen­den­te­men­te de ou­tros cri­té­ri­os: ins­cri­ção no Seguro Social Voluntário (SSV) (não obri­ga­tó­rio), apre­sen­ta­ção de de­cla­ra­ção de IRS (não obri­ga­tó­ria), ins­cri­ção co­mo de­sem­pre­ga­dos no IEFP (não obrigatória).

Depois da in­sis­tên­cia da ABIC, o Governo res­pon­deu, no dia 6 de Outubro, re­fe­rin­do a in­for­ma­ção ex­pli­ci­ta­da na Portaria n.º 244-A/2022, de 26 de Setembro, de que o apoio se­rá pa­go aos in­ves­ti­ga­do­res ins­cri­tos co­mo bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção no se­gu­ro so­ci­al vo­lun­tá­rio em Setembro de 2022, as­sim co­mo aos ins­cri­tos co­mo de­sem­pre­ga­dos no IEFP até dia 1 de Setembro de 2022, inclusive.

Ora, a ex­pli­ci­ta­ção da in­clu­são dos in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa ins­cri­tos no se­gu­ro so­ci­al vo­lun­tá­rio, na Portaria re­fe­ri­da aci­ma – ain­da que se­ja im­por­tan­te e te­nha acon­te­ci­do de­pois da ma­ni­fes­ta in­sis­tên­cia por par­te da ABIC –, não ga­ran­te que to­dos os in­ves­ti­ga­do­res bol­sei­ros te­nham aces­so ao apoio.

Primeiramente, não é le­gal­men­te pos­sí­vel aos bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção ins­cre­ve­rem-se no SSV no ca­so em que os seus con­tra­tos te­nham uma du­ra­ção in­fe­ri­or a 6 me­ses (ver n.º 5 do Artigo 10.º do Estatuto do Bolseiro de Investigação), pe­lo que exis­te à par­ti­da um con­jun­to de in­ves­ti­ga­do­res ime­di­a­ta e su­ma­ri­a­men­te ex­cluí­dos des­te apoio.

Acresce que de­vi­do à mo­ro­si­da­de do pro­ces­so e o des­fa­sa­men­to en­tre o pa­ga­men­to à se­gu­ran­ça so­ci­al e o seu res­sar­ci­men­to aos in­ves­ti­ga­do­res (em es­pe­ci­al no iní­cio dos con­tra­tos), mui­tos não dis­põem dos va­lo­res que têm de re­gu­la­ri­zar jun­to da Segurança Social no mo­men­to em que tal lhes é pe­di­do. Para além dos pro­ble­mas bu­ro­crá­ti­cos e de len­ti­dão (tan­to da FCT co­mo da Segurança Social), im­por­ta re­for­çar que os re­du­zi­dos apoi­os so­ci­ais pre­vis­tos pe­lo SSV le­vam tam­bém mui­tos in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa a não con­si­de­rar co­mo re­le­van­te a sua ins­cri­ção nes­te sistema.

Recorde-se que o SSV não dá di­rei­to a sub­sí­dio de de­sem­pre­go, ape­nas dá di­rei­to a sub­sí­dio de do­en­ça a par­tir do 31º dia de bai­xa e, em to­das as pres­ta­ções so­ci­ais – co­mo sub­sí­di­os de pa­ren­ta­li­da­de ou pen­sões de ve­lhi­ce ou in­va­li­dez –, o va­lor pa­go apli­ca-se co­mo se o sa­lá­rio re­ce­bi­do fos­se igual ao Indexante de Apoios Sociais (€ 443,20, em 2022), im­pli­can­do uma re­du­ção abrup­ta e subs­tan­ci­al da re­mu­ne­ra­ção men­sal des­tes trabalhadores.

Por ou­tro la­do, não ten­do os in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa di­rei­to a qual­quer sub­sí­dio de de­sem­pre­go, já que es­tão im­pe­di­dos de se ins­cre­ver no re­gi­me ge­ral da Segurança Social, é no mí­ni­mo iró­ni­co que um dos cri­té­ri­os pa­ra a atri­bui­ção do apoio ex­tra­or­di­ná­rio se­ja pre­ci­sa­men­te a ins­cri­ção do in­ves­ti­ga­dor co­mo de­sem­pre­ga­do no IEFP.

Além dis­so, o sub­sí­dio men­sal de ma­nu­ten­ção – bol­sa – cons­ti­tui um vín­cu­lo que, por si só, é con­si­de­ra­do vá­li­do co­mo de­cla­ra­ção de ren­di­men­tos nou­tros pro­gra­mas do Estado e mu­ni­ci­pais (por exem­plo o Programa de Arrendamento Acessível ou o Porta 65). Nesse sen­ti­do, o Governo não po­de jus­ti­fi­car tal de­ci­são de ex­cluir aque­les bol­sei­ros que não es­tão ins­cri­tos no SSV.

 

Finalmente, é com par­ti­cu­lar es­pan­to que a ABIC no­ta a apa­ren­te obri­ga­to­ri­e­da­de dos in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa ne­ces­si­ta­rem de es­tar ins­cri­tos no SSV em Setembro de 2022, im­pli­can­do por­tan­to que o apoio ex­tra­or­di­ná­rio não se­rá atri­buí­do aos in­ves­ti­ga­do­res cu­jo con­tra­to ces­sou até Agosto de 2022. Importa es­cla­re­cer ca­bal­men­te tal cri­té­rio, sen­do es­pe­ci­al­men­te gra­ve quan­do, no Decreto-Lei que cria o apoio, são ele­gí­veis to­dos os re­si­den­tes em ter­ri­tó­rio na­ci­o­nal com ren­di­men­tos au­fe­ri­dos nos anos de 2021 e/​ou de 2022.

Todas es­tas si­tu­a­ções se­ri­am ime­di­a­ta­men­te re­sol­vi­das se:

  1.   Os des­con­tos pa­ra a se­gu­ran­ça so­ci­al dos in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa fos­sem au­to­má­ti­cos e cor­res­pon­des­sem ao sa­lá­rio efec­ti­va­men­te recebido;
  2.   As bol­sas fos­sem subs­ti­tuí­das por con­tra­tos de tra­ba­lho e os in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa fos­sem efec­ti­va­men­te abran­gi­dos pe­los mes­mos di­rei­tos que to­dos os res­tan­tes trabalhadores.

A ABIC irá no­va­men­te in­sis­tir com a tu­te­la pa­ra que se to­mem me­di­das de for­ma a que o apoio ex­tra­or­di­ná­rio se­ja atri­buí­do a to­dos os in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa. Não obs­tan­te, re­a­fir­ma­mos que é ur­gen­te a ac­tu­a­li­za­ção dos va­lo­res das bol­sas de in­ves­ti­ga­ção e dos sa­lá­ri­os, ten­do em con­si­de­ra­ção o po­der de com­pra per­di­do nas úl­ti­mas dé­ca­das, úni­ca res­pos­ta ca­paz de fa­zer fren­te à in­fla­ção ga­lo­pan­te que to­dos tem afec­ta­do, em es­pe­ci­al aque­les que se en­con­tram em si­tu­a­ção de precariedade.