Bolseiros nacionais irritados com tutela
In Correio da Manhã, 25 de Outubro 2005
A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) não estipula quotas para a atribuição de bolsas de investigação a estrangeiros – que até pode ultrapassar os 50 por cento – face aos candidatos portugueses.
A situação deixa insatisfeitos os candidatos nacionais que não conquistam o tão desejado financiamento.
Vasco Bonifácio é um dos portugueses que concorreram às bolsas de pós-doutoramento em circunstâncias idênticas às dos colegas de outros países. O investigador lamenta não ter sido seleccionado pelo financiamento, essencial para prosseguir a sua investigação na área da Química, que deixou na Alemanha.
Melhor sorte tiveram os estrangeiros que competiram com Vasco Bonifácio: conquistaram quatro financiamentos da FCT por cada dez atribuídos. No sítio oficial da internet, a própria fundação congratula – se pela elevada participação externa, contrariando as manifestas dificuldades financeiras que diz ter de enfrentar para suportar as bolsas.
BOLSEIROS EXPLORADOS
No entanto, há ainda outro problema que é denunciado por André Levy, membro directivo da ABIC (Associação dos Bolseiros de Investigação Científica). O responsável queixa-se que os bolseiros são obrigados a trabalhar, o que impede a dedicação à investigação a cem por cento, o que considera “uma perda de direitos inalienáveis e uma negligência da tutela no cumprimento legal.”
Estima-se que “mais de 1500 bolseiros [20 por cento] desempenhem funções de secretariado ou de laboratório e não de investigação”, quantifica André Levy. Trata-se do gozo de um financiamento para suportar uma actividade laboral, desligada da investigação. Situação que se perpetua, dispara, “por não estar legalmente formado o órgão fiscalizador previsto no Estatuto do Bolseiro de Investigação [Lei n.º 40/2004].”
Além de denunciarem incumprimentos legais, os bolseiros queixam – se que as bolsas não são actualizadas desde 2002. De acordo com as tabelas de financiamento da FCT, um bolseiro de mestrado em formação no País recebe 745 euros. Ao doutoramento e pós-doutoramento cabem 980 e 1500 euros respectivamente. Sendo que quem vai estudar para o estrangeiro tem direito a mais 750 euros.
Mas o Governo, diz a ABIC, “negligencia os investigadores” por privá-los de um regime de Segurança Social (SS) justo. “Pretendemos integração no regime geral da SS, como aliás recomenda a União Europeia”, diz André Levy. “E seria a fonte financiadora da bolsa a descontar.”
Para já, ao CM foi avançado que a ABIC “vai continuar a discutir formas concretas de manifestação do desagrado e a lutar pelos direitos dos bolseiros, não estando afastado o recurso às manifestações de rua como estratégia de protesto.”
A RESPOSTA DA FUNDAÇÃO
Em resposta escrita ao CM, Fernando Rambôa Ribeiro, presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), garante que a fundação “tem seguido as regras de financiamento de formação com fundos estruturais, as quais que não permitem que se limite a concessão de financiamento a candidatos nacionais, não permitindo igualmente a fixação de quotas para estrangeiros.”
O professor responsável pela FCT esclarece que “considerando o total de 5325 bolsas em curso, 780 foram atribuídas a estrangeiros, o que corresponde a 14,6 por cento.” Fernando Rambôa Ribeiro considera ainda que “só no grupo de bolseiros de pós-doutoramento se regista um maior número de bolseiros estrangeiros, o que está de acordo com o facto de serem investigadores com provas dadas noutros países.”
O QUE DIZ O MINISTRO
MAIO 2004
Mariano Gago, antes de ser ministro, disse numa conferência: “Está-se a contratar para as coisas mais inverosímeis do mundo, com base no estatuto de bolseiro, pessoas que deviam ser técnicos, funcionários, bibliotecários, etc, que são licenciados, e que pura e simplesmente estão a ser contratados com violação da lei fiscal, com violação da lei da segurança social.”
MAIO 2005
Um ano depois, e já como ministro da Ciência e Tecnologia e do Ensino Superior, Mariano Gago foi ao Parlamento dizer que “os bolseiros não são funcionários” e adiantou a possibilidade de instituir o cargo de provedor do bolseiro, para fiscalizar estas questões. Ainda nada foi posto em prática.