O anúncio dos resultados, nos passados dias 29 de outubro e 6 de novembro, do 3.º Concurso de Estímulo do Emprego Científico – Individual (CEEC) e do Concurso de Projetos IC&DT em todos os domínios científicos, confirmam o diagnóstico que a ABIC tem vindo a fazer acerca das fragilidades, carências e necessidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN).
Os CEECs que se desenrolaram em 2017, 2018 e 2019 tiveram, respetivamente, 4102, 3671 e 3674 candidatos. No entanto, apenas foram aprovados 12% dos candidatos em 2017 e de 8% em 2018 e 2019 (300, 308 e 512 investigadores indicados para financiamento, respetivamente). Do total de 11 447 candidaturas nos três anos de concurso apenas foram atribuídos 1120 contratos (9,6% de taxa de aprovação).
Nos Concursos de Projetos IC&DT de 2017 e 2020, houve, respetivamente, 4593 e 5847 candidaturas submetidas em todos os domínios científicos, das quais apenas 1618 e 312 foram propostas para financiamento. Falamos, por isso, de uma taxa de aprovação total de 18,5%, embora com um decréscimo avassalador de 81% no número de projetos financiados de 2017 para 2020 (e taxas de aprovação que baixaram de 35% para 5%). O atual Regulamento de Projetos FCT estabelece que «As candidaturas avaliadas (…) são ordenadas por ordem decrescente em função do mérito da proposta e selecionadas até ao limite orçamental definido no aviso para apresentação de candidaturas (…)». Ora, com um constante limite acentuado do financiamento, é impossível premiar o trabalho dos investigadores, mesmo quando é excelente. A isto, soma-se a preocupação que o concurso de Projectos I&D não satisfaça de facto os objectivos que deveria satisfazer, que passam em primeiro lugar por financiar ideias relevantes e que contribuam para o avanço do conhecimento (cf. Guia de Candidatura e Guia de Revisão por Pares), mas parecendo depender do currículo dos Investigadores Principais e respetivas equipas, resultando num contínuo vedar de oportunidades de financiamento aos investigadores em início de carreira.
Como a ABIC tem afirmado, o SCTN não pode estar sustentado na precariedade crónica que implica candidaturas constantes a programas de financiamento cujos concursos são imprevisíveis, longínquos, com prazos de conclusão consecutivamente ultrapassados, pouco tempo para executar e com taxas de aprovação baixíssimas. A manutenção da precariedade na contratação dos investigadores, à margem da integração na carreira e do direito ao trabalho com condições dignas, prejudica fortemente não só estes trabalhadores científicos como o trabalho de investigação e a própria estabilidade e o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Os resultados destes últimos concursos vêm confirmar que, apesar das promessas do anterior e do atual Governos sobre o combate à precariedade na investigação, continuam a existir milhares de trabalhadores científicos sem acesso à carreira e a contratos de trabalho, e que medidas avulso não só são manifestamente insuficientes, como servem apenas de paliativos a um setor de desenvolvimento estratégico.
A esta realidade acresce o modo como a divulgação dos resultados é feita. Com taxas de aprovação abaixo da média das de concursos europeus análogos, a FCT refugia-se no número de candidaturas elegíveis para fazer disparar as percentagens de candidaturas financiadas. Pela mesma lógica, contabilizando apenas os estudantes que transitam de ano, não haveria insucesso escolar em Portugal — nem em lado nenhum! A indignação daqueles que, ano após ano, têm visto as suas candidaturas recusadas e que, ano após ano, têm desenvolvido o seu trabalho em condições laborais altamente precárias é, por isso, nada mais senão justa. A todos estes, FCT e MCTES recusaram auxílio enquanto viram (e continuam a ver) o seu trabalho e condições profissionais ainda mais hipotecadas durante a pandemia que atravessamos. A todos estes, FCT e MCTES têm vetado o acesso à Carreira de Investigação e à estabilização dos seus vínculos laborais.
A ABIC exorta os investigadores e demais trabalhadores científicos a exigirem uma estratégia científica que valorize o Estatuto da Carreira de Investigação Científica, que integre efetivamente todos os trabalhadores científicos nas respetivas carreiras e que revogue o Estatuto do Bolseiro de Investigação. Só uma estratégia que articule e ponha em prática estas três dimensões pode dar resposta às necessidades do SCTN e à valorização e desenvolvimento da investigação científica no país.
Por fim, a ABIC apela a que todos os bolseiros de investigação se associem à sua organização coletiva — a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica — e a que todos os investigadores e trabalhadores científicos contratados se associem aos respetivos sindicatos. Só organizados coletivamente podem os investigadores e demais trabalhadores científicos defender e conquistar uma outra política para a Ciência.
26 de novembro de 2020
ABIC – Associação dos Bolseiros de Investigação Científica