Num contexto de agravamento das incertezas, da precariedade e das dificuldades financeiras e pessoais enfrentadas pelos investigadores, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) volta a falhar prazos – não só legais como reiteradamente prometidos -, atrasando-se na publicação dos resultados provisórios da atribuição de Bolsas de Doutoramento 2020 (BD). Não podendo ser justificados ou normalizados pelo actual contexto pandémico, estes atrasos trazem mais insegurança à condição já de si precária dos bolseiros, constituindo um grave desrespeito pela vida dos candidatos.
A 7 de agosto, a cerca de um mês do prazo legal de 90 dias úteis após o encerramento das candidaturas (que ocorreu a 4 de setembro, já que a data limite para as candidaturas foi prorrogada para 28 de abril), a FCT esclarecia que o concurso para atribuição de BD decorria com normalidade, dentro dos prazos legais e de acordo com aqueles estabelecidos pelo regulamento, “de modo similar ao que se passa todos os anos com este concurso”. Ainda no decorrer do prazo, embora sem qualquer esclarecimento oficial por parte da instituição, os candidatos foram tomando conhecimento, através de contactos directos com a FCT, de que a comunicação de resultados provisórios estaria atrasada, contrariando o exposto na plataforma oficial.
Finalmente, a 7 de setembro, 3 dias após o final do prazo, surge a indicação por parte da FCT de que os resultados provisórios do concurso seriam divulgados apenas a 30 de setembro. Não deixa de ser irónico que a justificação invocada pela FCT para não prorrogar por uma segunda vez o prazo para entrega de candidaturas – devido à importância de “retomar as condições de normalidade no cumprimento da política científica e garantir que o sistema de financiamento à ciência mantém a regularidade temporal e a previsibilidade que a própria comunidade científica vem exigindo, de modo a não pôr em causa a conclusão dos processos de avaliação neste ano, com a respetiva contratualização de projetos e o início de programas de doutoramento” -, seja agora ignorada, normalizando os seus próprios atrasos enquanto exige aos candidatos de vários concursos aquilo que a própria não cumpre.
Se nos anos em que os prazos não são violados a assinatura e início dos contratos de bolsa tardam a chegar, levando a situações financeiras incomportáveis, o que devem os candidatos esperar este ano? Uma política de rigor e excelência – como argumenta a FCT – não pode assentar no desrespeito completo pelos prazos e regulamentos estabelecidos, nem nos consequentes atrasos originados pela situação. Esta é uma profissão marcada pela precariedade, à qual se somam os atrasos na comunicação dos resultados e no pagamento das bolsas, com consequências muito graves para os investigadores e candidatos. São 3797 candidatos que se vêem impossibilitados de dar início aos planos de trabalho nas datas previstas e que continuam na incerteza sobre se poderão frequentar os doutoramentos, visto que a 30 de Setembro já se iniciou o ano lectivo. São 3797 candidatos com as vidas em suspenso.
Para os investigadores e candidatos, às inseguranças e incertezas trazidas pela pandemia de COVID-19 e àquelas impostas pela precariedade que caracteriza os vínculos na investigação em Portugal, acrescem as consequências dos atrasos da FCT, que apenas podem ser imputados às opções executivas da sua Direcção e às políticas de sucessivos Governos. Com efeito, os vários problemas para que a ABIC tem vindo a alertar, de que o atraso deste ano é exemplo, são também de sintomas provocados pelo subfinanciamento crónico do Ensino Superior e da Investigação e pelas políticas de precarização das condições laborais e de vida dos investigadores, acrescidos de uma visão utilitarista e mercantilista da Ciência.
Foi, é e será com os bolseiros que a ABIC continuará a lutar, pelos direitos a um contrato de trabalho e a uma vida estável, direitos que não são apenas de alguns mas sim de todos.