Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) baseia a sua atividade na defesa dos interesses dos bolseiros outros investigadores e na exigência de condições dignas para o seu trabalho. Defendemos que a investigação científica é uma área fundamental para o desenvolvimento do país e por aí realçamos o contributo que estes trabalhadores têm a dar à nossa sociedade. Contudo, não podemos ser um país avançado em termos de desenvolvimento científico e tecnológico enquanto não houver uma situação laboral estável para estes profissionais.
Atualmente, a precariedade e a falta de perspetivas de futuro estão na ordem do dia para os investigadores e docentes que garantem o funcionamento do sistema científico e tecnológico nacional. Uma grande parte destes trabalhadores já acumula anos de trabalho sucessivos ao abrigo de bolsas e de outros vínculos precários. Face a situações graves que alguns dos nossos colegas enfrentam no trabalho, à incapacidade política que o governo tem revelado para resolver os problemas e à falta de respeito que as instituições têm demonstrado pelos investigadores, aqui denunciamos algumas situações inadmissíveis que se têm verificado no nosso setor.
O Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) é um mecanismo que generaliza a precariedade no trabalho científico, fazendo com que os investigadores (e outros trabalhadores que dão suporte à investigação) desempenhem as suas funções sem ter acesso aos mais elementares direitos sociais. Para agravar esta condição precária, temos constatado que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), em nome da exclusividade imposta pelo EBI, está a impedir os seus bolseiros de pertencer a corpos gerentes de associações/organizações sem fins lucrativos, de participar na organização de congressos e de colaborar em revistas científicas. Além do facto de o referido regime de exclusividade não impedir a realização destas atividades não remuneradas, a atitude da FCT coloca em causa a liberdade de associação consagrada no artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa e cria sérios constrangimentos quanto à intervenção dos investigadores junto da comunidade científica. A ABIC já denunciou estes abusos nas suas reuniões com a FCT mas sem registar qualquer mudança nas práticas. Os bolseiros não podem ser alvo desta invasão à sua vida privada nem à limitação do exercício da cidadania e é por isso que apresentámos uma queixa à Procuradoria da Justiça.
Relativamente à implementação da Norma Transitória (NT) do Decreto-Lei 57/2016, alterado pela Lei 57/2017, a situação é igualmente preocupante. O prazo para a aplicação da NT termina no dia 31 de agosto e o processo tarda em avançar. Existem centenas de bolseiros abrangidos pela NT que já se encontram sem qualquer rendimento devido aos atrasos incompreensíveis para a abertura dos concursos. Acresce a isso o facto de as instituições estarem a recorrer a soluções que comprometem o propósito da lei. Algumas delas pretendem contratar os investigadores por intermédio de associações de direito privado de que são associadas, limitando assim o direito de acesso à carreira. Outras planeiam fazer contratos, em funções públicas, de três anos e não de seis, de modo a não terem que integrar os investigadores. Existem ainda instituições que não pretendem abrir os concursos a que são obrigadas quando o contrato não é financiado pela FCT.
Também no que diz respeito ao Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos na Administração Pública (PREVPAP), o Governo assiste com serenidade à postura da maioria das Instituições que negam a existência de necessidades permanentes perante os milhares de Investigadores FCT, Bolseiros de Investigação, Bolseiros de Gestão em Ciência e Tecnologia, Professores convidados e outros, que preencheram os seus pedidos de regularização do vínculo. Neste caso, é tanto mais grave que os elementos do Governo tenham cegamente votado ao lado das Reitorias pela não integração destas pessoas nas carreiras, não mostrando nenhuma vontade de combater a precariedade, conforme anunciado. Para a ABIC, a investigação científica é uma necessidade permanente das instituições. Por outro lado, tendo em conta a posição daquelas pessoas que consideram que os bolseiros de investigação não exercem funções de caráter permanente, sugere esta lógica que a precariedade, carência de proteção social e ausência de direitos laborais são lícitos quando envolvem trabalhos a termo certo?
Outra demonstração da instabilidade profissional e do desrespeito com que são tratados os investigadores encontra-se nos atrasos que persistem na divulgação dos resultados de concursos e no processo de assinatura de contratos. Estes atrasos parecem ter-se tornado regra no funcionamento da FCT, sendo este um problema grave que se repete ao longo de anos sucessivos. O concurso de bolsas individuais da FCT referente ao ano de 2016 é particularmente ilustrativo dessa realidade: i) houve projetos aprovados neste concurso cujos candidatos tiveram de esperar mais de seis meses, após o início do seu plano de trabalho, pela assinatura do contrato; ii) existem recursos referentes a esse concurso que ainda aguardam resposta. Quanto ao único concurso para projetos I&D realizado nesta legislatura, os resultados continuam a sair de forma lenta e parcial.
A realidade demonstra que os investigadores que se encontram a trabalhar ao abrigo de bolsas, independentemente do tipo de bolsa ou do grau de formação, ou sob outras formas precárias, são fundamentais para que as instituições cumpram os seus propósitos de investigação científica e desenvolvimento tecnológico. Não é admissível a falta de consideração que têm recebido por parte de alguns dos intervenientes com mais responsabilidade no plano do ensino superior e da investigação no país. Por esse motivo, face à insuficiente resposta por parte da tutela, expomos estes problemas à sua consideração e gostaríamos de ter a possibilidade de os discutir numa reunião com o Senhor Primeiro-Ministro.
É urgente uma resposta adequada por parte do Governo para a ciência em Portugal.
A ABIC inicia agora uma campanha de luta em vários locais e sob a forma de diversas iniciativas com o lema de “Uma bolsa = um contrato”. Sabemos que a ciência não se faz com trabalho precário e defendemos direitos no trabalho para haver dignidade na investigação.
Lisboa, 16 de abril de 2018,
A direção da ABIC