A Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) assiste uma vez mais com perplexidade a (mais um) exemplo do uso abusivo do regime de bolsas de investigação para fazer face a necessidades permanentes das instituições. Recentemente foi publicado um edital de um concurso de bolsa para a Universidade de Coimbra (UC) inserido no Projeto de “Recuperação de Créditos de propinas e taxas devidos à Universidade de Coimbra – Promover a aquisição de competências, através de processo de estágio e formação hands-on, no domínio da gestão e administração do procedimento de cobrança coerciva de dívida de propinas e taxas”.
A UC junta-se assim a um conjunto de outras instituições que muito recentemente optaram por cobrir as suas necessidades permanentes através da contratação de trabalhadores por via de um regime de precariedade e de insegurança como é o regime de bolsas. Adicionalmente, a UC aplica um regime que foi inicialmente criado para apoiar o desenvolvimento de tarefas de investigação científica e de desenvolvimento tecnológico para a execução de tarefas de gestão e administração de cobranças coercivas. Depois deste e de outros precedentes semelhantes, fica mais que evidente que as instituições de investigação públicas ou privadas perderam todo e qualquer escrúpulo e utilizam o regime de bolsas para qualquer função que seja necessária independentemente de qualquer lei ou até da própria Constituição Portuguesa.
Assim, e num momento em que se discute o futuro do País, torna-se claro que os trabalhadores portugueses necessitam de leis que os protejam contra as artimanhas que as entidades patronais, com o consentimento do Governo, usam para continuar a utilizar mão de obra (se possível cada vez mais qualificada) com cada vez menos direitos, cada vez mais precária e a custos inferiores. É premente que os partidos políticos se pronunciem sobre o recente caso de contratação de bolseiros na UC e indiquem se concordam com a proposta da ABIC de revogação do Estatuto do Bolseiro e a substituição deste regime por contratos de trabalho de modo a acabar com o atual sistema de precarização do trabalho no sistema nacional de C&T. Por cada bolsa aberta há um posto de trabalho que não é criado ou que se elimina. Os bolseiros, os investigadores, os trabalhadores científicos e quem vive do trabalho em Portugal tem direito a uma vida digna e com direitos.