Como em muitas outras áreas profissionais, o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) foi e continua a ser drasticamente afectado pela situação epidémica provocada pela COVID-19 e respectivas medidas de confinamento. Entre estas, podem incluir-se o encerramento das universidades, centros de investigação, laboratórios, bibliotecas, arquivos e demais instalações, a interdição ou limitação de viagens, os entraves à condução de trabalho de campo e de entrevistas, assim como a necessária prestação de cuidados a dependentes – impossibilitando desta forma o desenvolvimento dos trabalhos de investigação, criação e inovação em curso. Reconhecendo a dificuldade no normal desenvolvimento dos planos de trabalho aprovados, em Março e Abril de 2020 a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) prorrogou por dois meses todas as bolsas por si directamente financiadas. Ainda que necessária, esta medida foi insuficiente para responder às necessidades dos investigadores com vínculo de bolsa, não só por não se aplicar às bolsas não financiadas directamente pela FCT, mas também porque os prejuízos no desenvolvimento dos planos de trabalho durante o confinamento implicaram perdas para lá dos dois meses. No dia 19 de Janeiro de 2021, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, afirmou em audição parlamentar que as bolsas seriam prorrogadas sempre que a situação pandémica o justificasse. Contudo, e perante mais um longo confinamento geral, a medida inscrita no Art.º 4 do Decreto-Lei n.º 22-A/2021, de 17 de Março, previa a prorrogação apenas das bolsas de doutoramento que terminavam entre Janeiro e Março de 2021 e até ao máximo de dois meses, limitando-se a ser uma medida avulsa que abrangeu uma ínfima parte dos bolseiros.
Na sequência da ausência de soluções por parte da FCT e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), e em resposta aos problemas e anseios dos bolseiros de investigação, a ABIC lançou um abaixo-assinado, aberto à subscrição de todos os trabalhadores da ciência e do ensino superior, com vista à prorrogação por três meses de todas as bolsas de investigação, directa ou não directamente financiadas pela FCT, independentemente das suas datas de término. O número de subscritores deste abaixo-assinado – mais de 2700 – foi mais um sinal do reconhecimento generalizado dos problemas que afectam os investigadores com vínculo de bolsa. No seguimento do protesto que levou à entrega do abaixo-assinado e de um conjunto mais alargado de reivindicações, tiveram lugar duas reuniões entre ABIC, FENPROF e MCTES, no próprio dia do protesto, a 16 de Abril, e a 14 de Maio. Se na primeira reunião o Ministro Manuel Heitor tinha mostrado uma reticente disponibilidade para que todas as bolsas fossem prorrogadas, fosse através do envio de declarações dos orientadores, da transferência de verbas entre rubricas de projectos, ou mesmo através do reforço orçamental destinado a esse fim, na segunda reunião começaram a notar-se as promessas incumpridas, os documentos incompletos e o diálogo boicotado. O Despacho recentemente publicado, tal como o novo Regulamento para a atribuição das bolsas excepcionais que será brevemente publicado pela FCT, são o culminar de um processo conduzido com grande desonestidade e desrespeito por parte da tutela, que veio agora criar, ao contrário do que tinha feito em 2020, um processo desnecessariamente burocrático que vai excluir um elevado número de bolseiros ao invés de contribuir para solucionar a situação que estes enfrentam. Falamos, desde logo, de um mecanismo que exclui os bolseiros não directamente financiados pela FCT, ao contrário do que fora garantido pelo Ministro Manuel Heitor. Se na Comissão de Educação e Ciência de 25 de Maio o Ministro indicou que existem 8000 bolseiros directamente financiados pela FCT, correspondendo a 60% do total de bolseiros no país, então facilmente chegamos a cerca de 5300 bolseiros excluídos ainda antes do processo ser sequer iniciado (e resta confirmar se estes 5300 contemplam outras formas de financiamento que não a FCT). Além disso, este regulamento define a criação de uma comissão que supostamente avaliará os requerimentos dos bolseiros, mas que no fundo se limitará a redigir um parecer para informar o Conselho Directivo da FCT, que será depois quem decidirá acerca da validade desses requerimentos e da duração da eventual bolsa excepcional. Em última análise, trata-se de um processo semelhante ao do PREVPAP (cujos resultados conhecemos bem), marcado pela excessiva burocratização de algo que não deveria ser mais do que um mero formalismo simplificado. Tal vem, portanto, confirmar os receios expressados pela ABIC e pelos bolseiros.
É lamentável a forma como promessas têm sido feitas e desfeitas ao longo dos últimos seis meses. Esta exigência trata-se do mínimo dos mínimos que permitiria colmatar o forte impacto deste último ano na vida e no trabalho daqueles que se encontram ao abrigo de um Estatuto que apenas lhes garante a desprotecção social, laboral e económica. Não aceitamos que aquilo que há um ano foi automático se transforme agora num processo kafkiano que deveria estar, usando as palavras do próprio Ministro, “encerrado e tratado”.
Num quadro mais complexo como é o de 2021, podemos apenas lamentar que esta questão se tenha transformado numa disputa de vários meses com um fim que se antevê muito pouco favorável para quem se deparou (e depara) com entraves significativos à execução dos seus planos de trabalho, para quem não dispõe dos mais básicos direitos sociais, para quem, em muitos casos, esteve e está na linha da frente do combate à epidemia, para quem depende desta prorrogação para poder concluir o projeto a que se propôs e de cujo sucesso depende a sua candidatura ao vínculo seguinte, provavelmente precário.
Reivindicamos aquilo que sempre se impôs e continua a impor:
A prorrogação de todas as bolsas em 3 meses e em maior duração nos casos aplicáveis.
Coimbra, Lisboa, Porto
14 de Junho de 2021
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica