No passado dia 16 de abril de 2021, mais de uma centena de trabalhadores científicos manifestaram-se frente ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). Na base deste protesto esteve um conjunto de reivindicações e a entrega de um abaixo-assinado pela prorrogação de todas as bolsas, lançado pela ABIC, que contabilizava à data 2709 assinaturas. Entre outras reivindicações, que podem ser lidas na resolução aprovada no protesto, destacam-se: a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), a integração dos trabalhadores científicos nas respetivas carreiras e a democratização das Instituições de Ensino Superior (IES). No âmbito de medidas imediatas, destaca-se a prorrogação de todas as bolsas de investigação em virtude do cenário epidémico vivido no país, o fim das taxas de entrega de tese, o cumprimento da extensão dos prazos de entrega de tese e a abertura de novas edições dos concursos de Estímulo ao Emprego Científico Individual (CEEC) e de Projetos de IC&DT em 2021.
Esta resolução esteve na base da audiência da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) e da Federação Nacional dos Professores (FENPROF) com o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. Nesta audiência, ABIC e FENPROF denunciaram a realidade laboral precária da investigação científica, reivindicaram a urgente aplicação de medidas de mitigação do impacto da pandemia no trabalho e na vida dos trabalhadores com vínculos precários (e em particular dos que têm vínculos de bolsa e vínculos pontuais), bem como a cada vez mais necessária revogação do EBI, substituição de todas as bolsas por contratos de trabalho e a integração dos trabalhadores científicos nas respetivas carreiras.
Desta audiência resultaram as seguintes conclusões:
1. Sobre a aplicação do acréscimo de 2% nas transferências diretas do Orçamento de Estado (OE) para as IES para o reforço da carreira de investigação científica e da carreira docente, tal como inscrito no OE de 2021, e sobre a integração de todos os trabalhadores propostos para regularização no programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública (PREVPAP), tanto nos Laboratórios de Estado, onde se verificam homologações há mais de 2 anos sem que tenham ocorrido as respetivas integrações, como nas restantes instituições académicas e científicas.
No que diz respeito ao PREVPAP, o Ministro Manuel Heitor indicou que as transferências de verbas para as instituições na dependência do MCTES já foram efetuadas. No que diz respeito ao acréscimo de 2% nas transferências diretas do OE, o Ministro indicou que as IES já tinham contratado 664 trabalhadores em 2021. A ABIC e a FENPROF reforçaram que ainda assim há muitos colegas que continuam à espera de ser integrados ao abrigo do PREVPAP e que no que diz respeito às verbas adicionais do OE, não basta efetuar a transferência, é preciso garantir que as verbas são efetivamente canalizadas para o reforço das carreiras de investigação científica e de docência. Impõe-se, de resto, esta monitorização de verbas tendo em conta que os membros do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) têm vindo a deixar bem claro em diversos momentos (tendo o PREVPAP sido disso o expoente máximo) que não só não pretendem contratar investigadores ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC) para as IES, como muitos não preveem sequer abrir os concursos para as carreiras que a Lei n.º 57/2017 (L57) obriga no caso das instituições públicas.
2. Sobre a prorrogação de todas as bolsas de investigação.
A ABIC e a FENPROF reforçaram que os termos da prorrogação inscritos no Art.º 4 do
Decreto-Lei n.º 22-A/2021, de 17 de março, apenas se aplicam em casos muito específicos e, de modo algum, respondem às reais dificuldades com que se têm deparado milhares de bolseiros de investigação. Nesse sentido, não só seria necessário que as bolsas fossem prorrogadas independentemente da fase em que o bolseiro se encontrasse, como essa prorrogação deveria abranger todos os bolseiros e não apenas os bolseiros de doutoramento diretamente financiados pela FCT.
O Ministro, embora reticente, acabou por sugerir que um quadro de prorrogação das bolsas fosse possível mediante declaração de prejuízo emitida pelo orientador dos trabalhos. No que diz respeito aos bolseiros de projeto, e face à baixa execução orçamental dos projetos em curso, Manuel Heitor propôs que fosse eventualmente possível o alargamento do período de contratação, mediante justificação do Investigador Principal do projeto, com pagamento preferencial através de verbas não executadas dos projetos, recorrendo a uma eventual transferência entre rubricas. Quando o pagamento da prorrogação das bolsas de projeto não seja possível através da transferência entre rubricas de verbas não executadas, Manuel Heitor comprometeu-se a estudar a possibilidade de atribuição de mais verbas destinadas a este propósito e comprometeu-se em consertar um quadro legal para estas medidas juntamente com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A ABIC e a FENPROF reforçaram que, a existir prorrogação mediante justificação, então esta justificação tem de ser apenas um requisito formal e não uma barreira para a FCT usar como argumento para indeferir os requerimentos. A discussão destas propostas com os parceiros sociais decorrerá até ao próximo dia 5 de maio.
Foi ainda referido que, à luz do novo EBI, dado todo o bolseiro tem necessariamente de estar inscrito num grau ou diploma, e por isso tem de pagar propinas que continuam sendo, injustamente, a ser uma despesa não elegível pelos Projetos de IC&DT que atribuem essas bolsas, e que tal deveria ser alterado. O Ministro alegou desconhecimento, admitindo, porém, a possibilidade legal dessa despesa ser diretamente custeada pelos próprios centros de investigação.
3. Sobre a extensão dos prazos de entrega de tese em cumprimento do artigo 259.º da Lei n.º 75-B/2020.
A ABIC e a FENPROF denunciaram o não cumprimento da lei pela maioria das IES. O Ministro concorda que o espírito da lei vai no sentido da maior abrangência possível (à semelhança do que havia esclarecido na audição parlamentar de 19 de janeiro) e que as IES devem cumprir a lei de acordo com essa abrangência. De resto, o espírito da lei foi clarificado no passado dia 8 de abril em sede de Plenário na Assembleia da República. A ABIC considera que, sendo a lei clara para todas as partes exceto para as próprias IES, então que a tutela garanta que estas estão a cumprir a lei. A autonomia das IES não foi estabelecida, por forma a garantir que os dirigentes das IES possam não cumprir a legislação. IES como a UPorto, o ISCTE, a ULisboa ou a UCoimbra, entre outras, estão a obrigar à inscrição num novo ano letivo e a cobrar propinas, o que constitui um grave aproveitamento da situação de desproteção dos doutorandos e mestrandos que, em circunstâncias normais, não necessitariam, na sua maioria, de mais um ano letivo para concluir as suas teses e dissertações.
4. Sobre a atribuição das vagas do CEEC Institucional para contratos sem termo e com a respetiva integração na carreira de investigação científica, a revogação do EBI e a integração de trabalhadores científicos nas respetivas carreiras, com contratos de trabalho sem termo.
A ABIC e a FENPROF desconstruíram o argumento de que as bolsas garantem liberdade científica e reforçaram, entre outros aspetos, que o modelo de contratação é já o que prevalece noutros países mesmo para os investigadores em formação. A bolsa de investigação resulta numa das situações de maior precariedade que existe neste momento em Portugal, não prevendo qualquer mecanismo de proteção social ou os mais básicos direitos laborais. Tem, por isso, de acabar. Além disso, ABIC e FENPROF reiteraram que a ideia de que o modelo atual de emprego científico combateu a precariedade é uma falácia. O emprego científico existe apenas enquanto “carreira precária paralela”, com contratos a termo e, na maioria dos casos, com índices remuneratórios abaixo da base da carreira com a invenção da figura do investigador júnior. Estando os contratos celebrados ao abrigo da Norma Transitória – Decreto-Lei nº 57/2016, alterado pela Lei nº 57/2017 – (DL57) a chegar ao fim, torna-se por demais evidente que uma grande percentagem dos atuais investigadores contratados irá para o desemprego, tendo as IES já deixado claro que não pretendem contratar ao abrigo da carreira de investigação. Injustificável é ainda a existência de um concurso de estímulo ao emprego científico institucional onde é possível contratar investigadores (e docentes) a termo.
É entendimento do Ministro que as bolsas devem continuar a existir no modelo atual e ficou claro que nada vai ser feito no sentido de alterar o paradigma de contratação de investigadores em formação. Sobre a contratação de doutorados, Manuel Heitor não se mostrou contrário a que as contratações ao abrigo do CEEC Institucional se realizassem exclusivamente ao abrigo de contratos sem termo. No que à L57 diz respeito, o Manuel Heitor confirmou que a intenção do legislador é a de que, nas instituições sob direito público, a renovação do sexto ano de um contrato a termo dará obrigatoriamente origem à abertura de um concurso para a carreira de investigação ou para a carreira docente, e é a escolha entre estas duas carreiras que está sujeita ao interesse estratégico da instituição e não a escolha entre a abertura ou não do concurso. Ou seja, terá sempre de ser aberto um concurso para um contrato por tempo indeterminado numa das carreiras. O Ministro entende ainda que nos próximos tempos deve existir um Pacto para a Capacitação das Carreiras Científicas, que passará pela revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, pela diversificação das instituições científicas e pela obrigatoriedade de existência de carreira de investigação em instituições que, sendo privadas, auferem de financiamento público. Para este pacto, o Ministro ficou de enviar até 15 de maio uma proposta para o início das negociações com a FENPROF e a ABIC.
A ABIC e FENPROF esperam que o Ministro cumpra com os compromissos assumidos – envio da proposta do MCTES para negociação e efetue a análise das propostas efetuadas pela ABIC e pela FENPROF nesta reunião. Não esquecemos, e aqui relembramos, que o MCTES ainda não entregou, ao contrário do que se tinha comprometido com a FENPROF na reunião de 23 de novembro, qualquer proposta para uma negociação, que deveria estar concluída no 1º trimestre do corrente ano.
A ABIC e a FENPROF entendem que a integração na carreira de investigação deve ser feita diretamente nas IES ou nas unidades de investigação que não estejam afetas a uma IES, e que o seu carácter público deve ser assegurado, não remetendo para as tristemente “famosas” Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos (IPSFL) – verdadeiros offshores – ou para fundações de direito privado a contratação dos trabalhadores científicos. Tal como os docentes universitários, também os investigadores devem ser contratados em regime de direito público. Ficou também claro, da parte da ABIC e da FENPROF, que a revisão do ECIC não pode contar com a introdução da figura do investigador júnior, que se deve manter a lógica de equiparação do ECIC ao Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) e que as carreiras de investigação e docência se devem manter separadas.
5. Sobre o fim das taxas de entrega de tese.
A ABIC e a FENPROF denunciaram o facto de, em muitas IES, estarem implementadas taxas para as entregas de teses de doutoramento, em alguns casos atingindo quantias superiores a 500€ (como é o caso de, entre outras, escolas da UPorto e algumas escolas da ULisboa). Esta taxa constitui, mais uma vez, um aproveitamento grave por parte das IES e urge ser proibida. O Ministro concordou que esta taxa deveria ser revogada e que o custo poderia ser colmatado via OE. Neste sentido, ficou acordado que no quadro da discussão do próximo OE, esta questão seria levantada. A ABIC e a FENPROF comprometem-se em acompanhar de perto os desenvolvimentos em torno deste assunto, certas de que esta constituiria uma medida com um impacto muito significativo na vida dos atuais e futuros doutorandos, que não só já viram as suas ajudas de custo reduzidas (no caso dos bolseiros, de 750€ anuais, a FCT passou a transferir 750€ para os quatro anos), como viram as suas propinas aumentadas (muitas instituições cobram 2750€ de propinas para garantir que os bolseiros não pedem o remanescente transferido pela FCT, o que agrava ainda mais a situação daqueles que, não sendo bolseiros de doutoramento, têm de pagar propinas; e mesmo as que não praticam estes valor cativam o remanescente sem qualquer justificação), para além do aumento do próprio custo de vida não acompanhado pelo aumento equivalente do valor das bolsas de investigação, e da falta de financiamento para o desenvolvimento das suas investigações.
6. Sobre a abertura de novas edições dos concursos CEEC e de Projetos de IC&DT em 2021, e a atribuição de um maior número de vagas no CEEC Individual.
A ABIC e a FENPROF reforçaram a necessidade de abrir uma nova edição dos concursos CEEC e de Projetos de IC&DT em 2021, bem como de aumentar o número de vagas. Esta reivindicação surgiu no seguimento de, em fevereiro, tanto a ABIC como a FENPROF terem denunciado à FCT a dificuldade que os investigadores com filhos menores em casa – particularmente as investigadoras – estavam a ter para conciliar trabalho, apoio à família e candidaturas. A FCT, para além de ter feito questão de reforçar publicamente que não iria prorrogar os prazos das candidaturas, respondeu em reunião com a ABIC que seria melhor as pessoas consolidarem as suas candidaturas e apresentarem-nas no ano seguinte. Esta posição da FCT, que repudiamos veementemente, visa, no nosso entender, aumentar artificialmente as reduzidas taxas de aprovação, tirando proveito da pandemia e dos constrangimentos que levaram diversos investigadores a não conseguirem submeter as suas candidaturas por razões que não lhes podem ser imputadas.
Manuel Heitor, a propósito desta reivindicação, sugeriu a criação de um grupo de trabalho com vista à revisão dos regulamentos de projetos e termos dos avisos de abertura e possível abertura de um concurso para projetos exploratórios ainda em 2021. No que à proposta de revisão de regulamentos diz respeito, fez-se notar que esta proposta de revisão dos regulamentos não responde à reivindicação, mas de uma ideia já avançada anteriormente pela FCT na reunião de fevereiro com a ABIC. Em todo o caso, a ABIC e a FENPROF estarão sempre disponíveis para uma revisão detalhada de todos os regulamentos como, de resto, sempre fizeram por iniciativa própria em sede de audição pública de qualquer documento legal, mesmo quando Ministério e FCT determinaram a revisão de diplomas sem convocar a ABIC e a FENPROF para discussão prévia. O Ministro comprometeu-se a entregar para negociação a proposta de revisão até ao dia 5 de maio.
27 de Abril de 2021
A ABIC
A FENPROF