No contexto das eleições legislativas do próximo dia 30 de Janeiro, a ABIC procura informar e esclarecer de forma transparente os seus associados relativamente às posições políticas das diversas candidaturas para a ciência e o ensino superior. Neste sentido, foi enviado um conjunto de questões aos vários partidos e coligações, dos quais obtivemos respostas de CDS, PS, CDU, BE e LIVRE, estando organizadas por ordem de recepção. A resposta do PS estará transcrita no final por se endereçar ao conjunto das perguntas:
1) O Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) consiste num subsídio de manutenção que não dá acesso aos mais básicos direitos laborais (13.º e 14.º mês, subsídio de desemprego, acesso à Segurança Social a não ser via Seguro Social Voluntário), exige exclusividade e, inclusive, tem uma tipologia de bolsa cuja remuneração é inferior ao Salário Mínimo Nacional. Em 2019, extinguiram-se algumas tipologias de bolsa (como a de gestão de ciência) e passou a estar inscrita a obrigatoriedade de inscrição em curso conferente ou não conferente de grau como condição para contratualizar uma bolsa de investigação, tendo levado a que muitos bolseiros passassem a pagar propinas em cursos que não pretendiam frequentar para poderem continuar a trabalhar. Várias instituições criaram inclusivamente cursos não conferentes de grau como forma de garantir a manutenção da contratação através de bolsas de investigação e, assim, continuar a assegurar trabalho altamente qualificado a baixo custo. Deste modo, a revisão do EBI não veio acabar com o abuso do recurso a bolsas de investigação, ao contrário do sugerido pela tutela. Esta realidade é exclusiva da investigação científica, uma vez que a formação está prevista noutras formas de contratação e que trabalhadores de outras áreas – por exemplo da medicina – têm contrato de trabalho mesmo em período de formação. A realidade europeia é também bastante distinta, tendo os investigadores em formação contratos de trabalho em diversos países (p. ex.: Espanha, Suécia, Dinamarca). A própria Comissão Europeia advoga que todos os investigadores tenham os mesmos direitos laborais e sociais que qualquer outro trabalhador, através do Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores e da Carta Europeia do Investigador, publicado em 2005, mas nunca ratificado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Qual a vossa posição acerca das alterações efectuadas em 2019 ao Estatuto do Bolseiro de Investigação e ao Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT? São favoráveis à revogação deste instrumento que sempre permitiu, e continuará a permitir, o recurso à utilização de trabalho altamente qualificado sob a forma de subsídios de manutenção (bolsas) e não de contratos de trabalho? Que propostas têm para a dignificação destes profissionais, nomeadamente investigadores, gestores e comunicadores de ciência e técnicos de laboratório?
CDS • Somos favoráveis a que possa haver lugar a bolsas de investigação científica no pós- doutoramento por tempo limitado Concordamos com a inscrição em cursos de formação, mestrado ou doutoramento, para a atribuição de bolsas, mas sem que sejam cobradas propinas. Para haver contratos terá que haver concursos ou outro instrumento de seleção adaptado ao organismo que abre o procedimento.
CDU • A CDU considera que o Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) urge ser revogado. Entendemos que trabalho científico é trabalho, independentemente da fase da carreira em que o trabalhador se encontra. Esta é uma questão que não teria de ser colocada caso o Estatuto da Carreira de Investigação Científica, datado de 1999, estivesse a ser aplicado, prevendo este na sua formulação inicial categorias para os investigadores em formação (Estagiário e Assistente de Investigação). É entendimento da CDU que, existindo uma carreira que salvaguarda os direitos dos profissionais da ciência e que se adequa à especificidade da profissão, então esta deveria ser a principal forma de contratação. A realidade exposta pela ABIC é a confirmação de que a revisão do EBI de 2019 não veio alterar o quadro de extrema precariedade vivido pelos investigadores, gestores de ciência e técnicos de laboratório, nem tampouco colmatar a ausência de direitos que caracterizam o vínculo de bolsa. Por isso, a CDU assume como compromisso eleitoral “Substituir o regime de bolsas de investigação científica por contratos de trabalho, revogando o Estatuto do Bolseiro de Investigação e assegurar o desenvolvimento de um sistema público de I&D”. Este compromisso tem estado presente nas anteriores legislaturas, tendo o Grupo Parlamentar do PCP apresentado diversas propostas neste sentido, das quais destacamos o Projecto de Lei n.º 758/XIV/2.ª que estabelecia o regime jurídico da contratação do pessoal de investigação científica em formação (rejeitado com votos contra do PS, PSD, CDS-PP, CH e IL), o qual procurava pôr fim ao EBI e substituir todas as bolsas por contratos de trabalho. O fim de categorias de bolsas como as de gestão de ciência ou de técnico de laboratório sem o devido enquadramento para a contratação destes profissionais, aliado ao fracasso do PREVPAP na ciência por boicote do Governo e do CRUP, veio tornar clara a necessidade de criação de uma carreira para estes trabalhadores que desempenham funções fundamentais no trabalho científico e que são continuamente secundarizados quando estão em causa direitos laborais.
BE • As primeiras bolsas de doutoramento foram atribuídas no início dos anos 90 ainda no âmbito da JNICT (Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica), as bolsas de pós-doutoramento surgiram quando os primeiros bolseiros obtiveram o grau de doutor. Em 1997 a JNICT é substituída pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia). Só ao abrigo do financiamento dos primeiros Laboratórios Associados, já em 2003, é finalmente possível contratar investigadores (embora em número muito limitados). Em 2006, com o assumir de um novo compromisso para com a Ciência e o Emprego Científico, o orçamento da FCT aumenta substancialmente e surge programa Ciência 2007 que visa contratar 1000 investigadores. Desde então o número de doutorados não parou de crescer, vimos passar sucessivos programas de contratação a prazo, o nível de investimento público em Ciência estagnou e a precariedade de longa duração tornou-se a única realidade possível. Um dos principais instrumentos de precariedade é justamente as bolsas de investigação e por isso, o Bloco propõe:
- Revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e obrigatoriedade de contratação de investigadores e investigadoras ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica através de um rácio mínimo de pessoal na carreira para aceder a financiamento estatal e/ou comunitário;
Livre • Sim, estamos de acordo quanto à tendência para a eliminação de bolsas como forma de pagamento e que geram precariedade. Seguindo a proposta 6.11 do nosso programa, temos:
“Rever o Estatuto do Bolseiro de Investigação limitando a atribuição de bolsas de investigação a programas de trabalho com a duração máxima de dois anos (por exemplo para casos de bolsas de iniciação à investigação de curta duração) para quaisquer trabalhos de investigação, independentemente de se destinarem ou não à obtenção de graus académicos. Para programas de trabalhos superiores a dois anos, que incluem os programas de doutoramento, o financiamento deve passar a ser feito através de contratos a termo certo e não de bolsas de investigação, de forma a que os estudantes de doutoramento e os investigadores em formação avançada, se vejam reconhecidos como trabalhadores de facto, usufruindo dos mesmos direitos laborais que os restantes trabalhadores, como o subsídio de férias, de natal e de desemprego. Manter os valores das bolsas atualizadas de acordo com a inflação.”
2) Com o Decreto Lei 57/2016, alterado pela Lei 57/2017, foi dado um passo relevante para a dignificação dos investigadores doutorados, agora contratados através de contratos de trabalho ao invés de bolsas de investigação. Não obstante, este diploma constituiu na prática uma carreira exclusivamente precária, paralela à Carreira de Investigação Científica, e introduziu uma categoria cuja remuneração está abaixo do primeiro nível do ECIC. Além disso, os Concursos de Estímulo ao Emprego Científico (CEEC) têm apresentado taxas de aprovação a rondar os 8%, denotando uma estratégia de continuar a alicerçar virtualmente toda a investigação científica na precariedade. Paralelamente, no Programa de Regularização de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), reitores e governo uniram esforços para bloquear a integração de quase 90% dos requerentes, demonstrando assim que no ensino superior e na ciência a efectiva integração dos trabalhadores científicos não tem lugar.
Qual a vossa posição perante os elevados níveis de precariedade no sector e que propostas têm para a dignificação das carreiras científicas e docentes nas instituições de ensino superior e ciência?
CDS • Qualquer modelo de trabalho precário deve ser evitado. A ciência é fundamental para o avanço do País. Sabe-se que o orçamento para a ciência, em Portugal, é unicamente “financiamento competitivo” enquanto nada disto for alterado torna-se difícil alterar o modelo atualmente existente. Concordamos no entanto que as Universidades devem equacionar uma carreira de investigação paralela à carreira docente de modo a dar mais estabilidade aos investigadores. A taxa de aprovação da FCT não tem a ver com o mérito das candidaturas nem sequer com a vontade de manter a precariedade mas apenas com o financiamento baixo da investigação. Os diferentes orçamentos de estado nunca se debruçaram sobre este assunto, sem reforço da verba para a ciência é difícil qualquer alteração. Uma alteração desejável seria que contratos permanentes pudessem ser imputados a projetos FCT ou outros em que isso não é possível atualmente. Quanto ao PREVPAP o único grande constrangimento à reintegração foi o facto de por serem contratos, na sua maioria, indexados a projetos de investigação, logo não permanentes não serem consideráveis no regime que foi estabelecido. A questão não se colocaria nunca se junto com a consolidação dos vínculos houvesse reforço de orçamento. O diploma estava mal feito e não pretendia atingir o resultados “apregoados”. Pode (e deve) haver uma carreira de investigação nas universidades, com permeabilidade com a carreira docente mas para tal é, obviamente, necessário discutir o modelo de financiamento da mesma.
CDU • A CDU combate todas as formas de precariedade, batendo-se pela efectiva integração de todos os trabalhadores que suprem necessidades permanentes no Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) e no ensino superior, nomeadamente investigadores e docentes, mas mantêm vínculo laboral precário ou bolsa; pelo respeito e valorização das carreiras dos trabalhadores das Instituições de Ensino Superior e Ciência; e, designadamente, pela valorização salarial e pelo direito à progressão e ao acesso à promoção; pela explicitação da componente investigação e desenvolvimento (I&DE) na fórmula de financiamento do ensino superior público e o efectivo respeito da autonomia científica e financeira das suas instituições na formulação e execução de projectos; e pela valorização dos diversos trabalhadores da Ciência, nomeadamente técnicos e gestores de ciência, com a aprovação de carreiras específicas. Muito concretamente, o Projeto de Resolução n.º 1500/XIV/3.ª que recomendava a adoção de medidas para a dinamização do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, combatendo a precariedade e o subfinanciamento (rejeitado a 19 de Novembro de 2021 com os votos contra do PSD, CDS e IL, abstenção do PS e a ausência do CH), propunha, entre outros pontos, a aplicação de um regime transitório de integração de investigadores que preencham necessidades permanentes das instituições do SCTN e dos bolseiros de investigação científica; a valorização da Carreira de Investigação Científica, promovendo a sua abertura e a integração dos trabalhadores; a multiplicação por três da despesa per capita de investigador ETI (Equivalente Tempo Integral) no sector público, até 2024, reforçando as verbas das instituições na medida do aumento dos efetivos de pessoal investigador que se verificar; a criação de condições objectivas para preencher pelo menos 8500 lugares de técnico nas instituições e grupos de investigação activos no sector público, até 2024; e a promoção da discussão sobre o funcionamento e objectivos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), designadamente, ao nível do fim da promoção da precariedade, da instabilidade do financiamento da Ciência, e da limitação ao modelo dito competitivo de financiamento por esta praticados.
BE • O Programa de Estímulo ao Emprego Científico, a decorrer nos últimos dois períodos legislativos, falhou os seus principais objetivos, não tendo sido capaz de reforçar o emprego científico, nem de potenciar o impacto da investigação científica no ensino superior. Pelo contrário, alargou o fosso entre a Ciência e o Ensino Superior, permitiu que a empresarialização da gestão académica fosse instrumentalizada para facilitar a precariedade, e agudizou o défice democrático nas instituições de Ensino Superior.
A abertura do Processo de Regularização Extraordinária de Vínculos Laborais Precários na Administração Pública (PREVPAP) expôs claramente a dimensão deste problema – na área da Ciência foram recebidos 3200 pedidos para regularização de docentes e investigadores, dos quais apenas 10% tiveram parecer positivo. De igual modo, é de prever que o número de contratados sem termo no final do processo que decorreu ao abrigo da norma transitória do Decreto-Lei n.º 57/2016 será também reduzido, em função do mesmo tipo de obstáculos ao reconhecimento do seu vínculo.
A oposição de muitos reitores e a inação do governo têm sido fatores críticos para o falhanço destes programas, sobrepondo-se com frequência à aplicação da lei e contribuindo para a manutenção sistemática de falsos bolseiros e bolseiras, docentes contratados e contratadas de semestre em semestre para assegurar tarefas permanentes, e uso abusivo da figura de “docente convidado ou convidada” para evitar a abertura de concursos para lugares de carreira. A estes problemas soma-se ainda uma tendência crescente de privatização do enquadramento contratual do trabalho docente e de investigação.
Ao longo dos últimos seis anos, ficou claro que apenas as restrições ao acesso a financiamento contribuíram com sucesso para impor os contratos de trabalho com vínculo normal para o trabalho científico. É, portanto, nestas medidas que devemos apostar. A obrigatoriedade de cumprir uma percentagem crescente de investigadores nos quadros para acesso a financiamento, parece ser o caminho. No entanto, sem um aumento progressivo e sustentado do financiamento plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior e ciência, o combate à precariedade será sempre uma batalha perdida.
É também imperativo promover uma revisão articulada dos estatutos de carreira de investigação e docência, de modo a permitir uma maior compatibilização entre ambos, revendo também os mecanismos de progressão de forma justa, transparente e abrangente, e pondo fim ao recurso a legislação avulsa para benefício apenas de alguns.
No que respeita ao sistema científico nacional, os últimos seis anos provaram que o funcionamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é pautado por uma burocratização estrutural que, aliada à falta de meios e pessoal técnico, deixa o setor numa imprevisibilidade e atrasos constantes. O aumento do orçamento para a ciência, proposto neste Programa, deverá ser executado com rigor e acompanhado de uma avaliação consequente dos programas de investimento anteriores. Também o funcionamento da FCT carece de reavaliação.
As propostas do Bloco de Esquerda sobre esta matéria são:
- Financiamento público plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior, laboratórios e centros de investigação, com a contrapartida de um mecanismo avaliativo sobre implementação de políticas na melhoria da ação social escolar e do combate à precariedade;
- Revisão dos estatutos das carreiras docentes com definição de critérios claros de avaliação de desempenho e regras justas de progressão;
- Alteração do modelo de funcionamento da FCT, através da contratação de pessoal especializado, um modelo de governança que garanta mais autonomia na decisão e melhor ligação com o setor científico;
- Regulamentação das Carreira de Docente no Ensino Superior Privado, em negociação com as organizações representativas da classe.
Livre • De acordo com a proposta 6.17 do nosso programa:
“Equiparar as carreiras de docência e investigação, através da revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica e da fusão dos Estatutos da Carreira Docente Universitária (ECDU) e do Estatuto do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP) para que seja equiparado em nível de exigência, direitos e deveres.. A integração de ambas as carreiras num mesmo estatuto deverá incluir a possibilidade de mobilidade entre as carreiras de investigação e docente, dentro da mesma instituição ou entre instituições diferentes, permitindo uma melhor gestão dos recursos e necessidades das instituições e garantindo uma maior integração entre as atividades de ensino superior e investigação científica, permitindo desenvolvimento de atividades de investigação e de docência, com flexibilidade na gestão de cargas horárias, dentro dos limites legalmente fixados ou a fixar.”
Também de acordo com a proposta 6.20 do nosso programa, propomos:
“Assegurar a igualdade de direitos no ensino superior público, particular e cooperativo, através da adoção pelas instituições de ensino particular e cooperativo dos estatutos da carreira docente, garantindo a democracia interna e a liberdade de ensino e investigação e reforçando as garantias de representação sindical nestas instituições.”
3) O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) estrangulou a democracia interna das instituições e abriu espaço à privatização de universidades públicas através da figura da fundação. A falta de representatividade de investigadores, trabalhadores técnico-administrativos e estudantes, concretizada na total exclusão dos bolseiros de investigação e dos investigadores contratados ao abrigo de Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos (IPSFL), tem um impacto notório ao nível das tomadas de decisão e definições estratégicas das instituições. A privatização destas instituições públicas, seja através do regime fundacional, seja através das IPSFL, tem mostrado que os investigadores só interessam enquanto trabalhadores para a contabilização da sua produção científica, sendo excluídos em tudo o que envolve direitos laborais e participação democrática.
Tendo sido ultrapassado em vários anos o prazo previsto para a avaliação do RJIES, que propostas têm para uma avaliação do diploma no quadro da próxima legislatura?
CDS • O RJIES já passou o prazo decididamente. Tal como previsto deve ser reapreciado. Tem vários problemas em si mesmo mas não consideramos que a existência do regime fundacional seja um deles.
CDU • O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) foi introduzido com o argumento da necessidade de modernização e de agilização do sistema de governo e de gestão das Instituições. Na verdade, tratou-se de uma alteração profunda do quadro vigente que foi apresentada como solução fechada e não teve em devida consideração pareceres e reflexões de diversas entidades da comunidade do ensino superior. A CDU considera que as alterações introduzidas pelo RJIES criaram profundas e negativas transformações no sistema de ensino superior português, atacando o seu carácter público. Ao invés de resolver as premissas que serviram de pretexto à sua criação, o RJIES deu passos determinados no sentido da empresarialização e privatização do ensino superior público, introduziu graves limitações à autonomia das instituições, dando uma machadada na sua gestão democrática prevista pela Constituição da República Portuguesa. Ao longo dos anos, o PCP tem afirmado que este regime jurídico tem um impacto negativo ao nível da gestão das instituições públicas de ensino superior, empurrando-as para a dependência de interesses que lhes são alheios. A par do esvaziamento democrático notório, o RJIES acentuou o sistema binário do ensino superior e implementou um regime fundacional que abre caminho para a privatização e mercantilização das instituições públicas, objectivo que o PCP considera ser a verdadeira orientação estratégica de todo o diploma. O regime fundacional e o impulso dado às instituições privadas sem fins lucrativos (IPSFL) vieram também facilitar a contratação de investigadores com vínculos laborais precários e bolsas, e promover a descriminação entre estes e os colegas que exercem exactamente as mesmas funções, mas que são contratados directamente pelas instituições de ensino superior ao abrigo do regime de direito público. O bloqueio à participação nos órgãos de gestão dos investigadores com bolsa ou com contrato de trabalho, que continua ser a norma em grande parte das instituições, é uma das maiores evidências do carácter anti-democrático deste diploma. Sem um regime jurídico que inscreva a participação democrática para todos como um direito, a continuada exclusão dos investigadores dos processos de decisão manter-se-á como norma.
A este respeito, o PCP apresentou propostas como o Projeto de Lei n.º 152/XIV/1.ª que revoga o regime fundacional e estabelece um modelo de gestão democrática das instituições públicas de ensino superior. Opomo-nos a este rumo de mercantilização e privatização e, por isso, defendemos alterações profundas que combatam este caminho e que passam pela alteração do RJIES, pelo aumento do investimento nas instituições de ensino superior por via de uma nova Lei de Bases do Financiamento, bem como de mais apoios ao nível da Acção Social Escolar para os estudantes.
BE • O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) introduziu uma lógica mercantil no funcionamento do sistema, patente na entrada para os Conselhos Gerais dos representantes dos principais grupos económicos, ao mesmo tempo que remeteu para um nível quase simbólico a democracia na gestão da academia. O RJIES estabeleceu ainda uma hierarquia inaceitável entre universidades do mesmo sistema, introduzindo incentivos financeiros em função das escolhas de modelo de gestão e condicionando, por essa via, a autonomia das instituições.
A empresarialização da gestão académica, combinada com o défice democrático, transformou o Ensino Superior numa fábrica de gente precária: falsos bolseiros e bolseiras, docentes contratados e contratadas de semestre em semestre para assegurar tarefas permanentes, uso e abuso da figura de “docente convidado ou convidada” para evitar a abertura de concursos para lugar de carreira são apenas alguns exemplos do estado de degradação que o setor atingiu. A abertura do Processo de Regularização Extraordinária de Vínculos Laborais Precários na Administração Pública (PREVPAP) trouxe luzes sobre a dimensão da precariedade na investigação e no ensino superior. No entanto, quer o PREVPAP quer a Lei 57/2017 têm tido uma aplicação muito limitada, tendo esbarrado na oposição de muitos reitores e na inação do governo.
Durante a pandemia, o aumento do assédio laboral e a maior concentração de poder nos reitores e presidentes dos politécnicos tornaram ainda mais desigual esta relação que, na verdade, deveria pautar-se por um respeito profissional e académico entre pares.
Para responder ao problema, a proposta do Bloco passa por:
- Revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, recuperando o princípio da participação paritária entre corpos e de género nos órgãos de gestão e o princípio da eleição do ou da reitora/presidente por um colégio eleitoral alargado e representativo;
Acreditamos que só com Instituições de Ensino Superior respondemos a uma urgência dos nossos dias, que é o desenvolvimento científico ao serviço do interesse público. Dado o papel do conhecimento científico e tecnológico nos mais variados aspectos da sociedade, o Estado deve assumir um papel decisivo no desenvolvimento das políticas para o Conhecimento e garantir a sua democratização. Deve-se assim procurar promover as formas de tecnologia aberta e que sejam regidas por princípios de espírito crítico e utilidade pública. Este esforço deve contribuir também para capacitar as respostas dos serviços públicos e reforçar a relação entre os decisores políticos e os cidadãos. É possível fomentar a ligação entre as Instituições de Ensino Superior, os seus Laboratórios e Centros de Investigação e os restantes serviços da Administração Pública, para promover a sua modernização e o desincentivo à contratação de serviços privados de consultoria; criação de Pactos de Investigação e Desenvolvimento orientados para a valorização científica e tecnológica da Administração Pública.
Por fim, batemo-nos por mais financiamento público para o setor, assumindo o compromisso de atingir, na próxima legislatura, 3% do PIB em investimento em ciência e investigação, financiamento esse maioritariamente público e que reequilibre a relação de investimento em ciência básica e ciência aplicada.
Livre • A proposta 6.19 do nosso programa dita o seguinte:
“Rever o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) de forma a garantir a democracia plena na eleição dos órgãos. Aumentando a representatividade dos estudantes, trabalhadores e docentes face a individualidades externas às instituições.”
Resposta do PS ao conjunto de questões:
O Programa Eleitoral para as eleições legislativas de 2022 que pode ser consultado aqui, continuando e renovando o programa cuja execução foi interrompida, comporta quatro desafios estratégicos e é precedido por um requisito necessário que está subjacente às nossas políticas:
i) Boa governação
ii) Alterações Climáticas
iii) Demografia
iv) Desigualdades
v) Sociedade Digital