A direção da ABIC reuniu, no passado dia 4 de outubro, com o Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), Manuel Heitor (MMH), e com o Chefe de Gabinete do Gabinete da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Pedro Barrias, no âmbito das recentes alterações ao Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) (Decreto-Lei nº123/2019, de 28 de agosto). Tal como todas as iniciativas legislativas de MMH, também esta lançou confusão, incerteza, e mesmo pânico entre os bolseiros e demais trabalhadores científicos, bem como nas instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) que de imediato suspenderam os concurso de bolsas que tinham em curso até verem clarificado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) um conjunto de perguntas frequentes
Do resultado da reunião confirmamos que o que foi feito até agora em prol dos bolseiros e demais trabalhadores científicos precários é insuficiente, não se apresentando como um paradigma de combate efectivo à precariedade, criou aliás novas dificuldades e, por isso, a nossa luta prosseguirá até que os trabalhadores do SCTN encontrem condições dignas de trabalho!
- Sobre a obrigatoriedade de inscrição em graus e diplomas na revisão do EBI: com o novo EBI os actuais bolseiros não inscritos em graus ou diplomas vêem-se confrontados com a impossibilidade de concorrerem a bolsas, não existindo nenhum mecanismo para a sua contratação. O MCTES, na pessoa do Ministro MH, salientou que esta medida constitui um retorno à finalidade com que o EBI fora inicialmente pensado, impedindo assim o recurso abusivo às bolsas fora do contexto de formação. No entanto, a ABIC entende que esta medida não se traduzirá necessariamente em mais contratação, sendo que bastará a inscrição em graus ou diplomas não conferentes de grau para que o regime de bolsas como preferência contratual se perpetue. Por outro lado, torna-se fundamental dar resposta às largas centenas de bolseiros que foram úteis ao longo de anos em centros de investigação e que agora se confrontam com a possibilidade de desemprego como consequência da aplicação do novo EBI. De facto, a possibilidade legal da efectiva contratação destes profissionais enquanto técnicos superiores, investigadores ou usando outros vínculos que assentem num contrato de trabalho (donde sai necessária também a revisão de carreiras para integração destas posições) tem sido consistentemente encarada com resistência por parte das instituições. É urgente desimpedir este caminho, para que a abertura de bolsas apoiada na atribuição de um qualquer diploma não conferente de grau não se torne no novo paradigma da precariedade.
- Sobre a continuidade das Bolsas de Pós-Doutoramento (BPD): o MCTES esclareceu que, com a revisão do EBI, não se pretendia uma ruptura no sistema. Com a limitações à atribuição de BPDs pretende-se que estas se destinem a situações muito particulares de mudança de área científica, justificando assim o entendimento do Pós-Doutoramento como um período formativo. É entendimento da ABIC que as limitações são importantes no bloqueio ao uso excessivo de bolsas. No entanto, a continuidade das BPDs – após anunciado o seu fim é uma opção política que camufla a falta de estímulo à contratação efectiva sob a falsa premissa da eterna formação. Quanto à agora impossibilidade de se poder ter uma BPD na instituição onde fora obtido o doutoramento, MMH argumenta que tal tem como objetivo promover a mobilidade e combater a endogamia, ao mesmo tempo que fomenta a contratação de doutorados pelas instituições que queiram manter os investigadores. Entende a ABIC que sem a efectiva dignificação e integração na carreira de investigação científica, e um verdadeiro estímulo ao emprego científico, esta medida não pode atingir os objectivos a que se propõe.
- Sobre a integração nas carreiras: foi com enorme surpresa e apreensão que vimos não existir qualquer plano de futuro por parte do MCTES no que toca à integração dos investigadores nas carreiras, o que seria, isso sim, um verdadeiro combate à precariedade. MMH declarou que são as universidades que devem decidir se querem ou não contratar investigadores, e que estas alterações visam apenas dar um impulso, tentando “provocar o investimento” das instituições na contratação. Ficou ainda claro que nada acontecerá às instituições que não cumpram a lei quanto à abertura de concursos para lugares de carreira no final dos seis anos de contrato ao abrigo do DL57. Constata-se, assim, que o tão propalado Diploma de Estímulo ao Emprego Científico acabará da mesma forma como acabaram os contratos de Investigador Ciência e os de Investigador FCT.
Como se constata, a atitude e discurso em final de legislatura são bem distintos daquilo que se via e ouvia no início. A Direção da ABIC transmitiu ao MCTES a insatisfação quanto ao anunciado “combate à precariedade” na Ciência por parte do Governo que agora terminou o mandato, reiterando que um programa de substituição parcial de bolsas para doutorados por contratos de trabalho a prazo, e a sua muito sofrida implementação, não pode ser entendido como combate à precariedade. O novo governo pode e deve emendar os erros cometidos em termos de políticas científicas, assim como rectificar o seu fracasso no combate à precariedade na ciência. É preciso uma aposta decidida pela sustentabilidade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e a valorização dos trabalhadores científicos actualmente com contratos a termo ou bolsas.