Sobre as medidas anunciadas pelo Governo para colmatar a falta de professores na Escola Pública

A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) ma­ni­fes­ta a sua pre­o­cu­pa­ção e de­sa­cor­do com as re­cen­tes me­di­das anun­ci­a­das pe­lo Governo que vi­sam col­ma­tar a fal­ta de pro­fes­so­res no en­si­no obri­ga­tó­rio atra­vés do re­cur­so, en­tre ou­tros, aos bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca. Em par­ti­cu­lar, a ABIC opõe-se à pro­pos­ta de al­te­ra­ção do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) pa­ra per­mi­tir aos bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção a pres­ta­ção de ser­vi­ço do­cen­te do en­si­no obri­ga­tó­rio até ao má­xi­mo de 10 ho­ras semanais.

Os bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção já en­fren­tam uma si­tu­a­ção pre­cá­ria e ins­tá­vel nas su­as pró­pri­as car­rei­ras. Recorrer a in­ves­ti­ga­do­res com bol­sa pa­ra es­tas fun­ções agra­va a sua pre­sen­te si­tu­a­ção de pre­ca­ri­e­da­de la­bo­ral e des­via-os das su­as ac­ti­vi­da­des de in­ves­ti­ga­ção, com­pro­me­ten­do o de­sen­vol­vi­men­to do seu tra­ba­lho ci­en­tí­fi­co. Esta me­di­da re­sul­ta, ain­da, do apro­vei­ta­men­to da pre­ca­ri­e­da­de e ins­ta­bi­li­da­de que mar­cam a vi­da des­tes in­ves­ti­ga­do­res, a quem as 10 ho­ras de au­las se­ma­nais são apre­sen­ta­das co­mo su­pos­ta for­ma de col­ma­tar a fra­gi­li­da­de da sua si­tu­a­ção fi­nan­cei­ra. Importa lem­brar que os bol­sei­ros não são se­quer con­si­de­ra­dos tra­ba­lha­do­res: as bol­sas de dou­to­ra­men­to, por exem­plo, têm uma du­ra­ção má­xi­ma de 4 anos, sem fé­ri­as pa­gas, sem sub­sí­dio de Natal nem de de­sem­pre­go, e sem aces­so dig­no à Segurança Social.

Adicionalmente, cai por ter­ra o ar­gu­men­to de que a in­ves­ti­ga­ção fi­nan­ci­a­da atra­vés de uma bol­sa tem de ser de­sen­vol­vi­da em re­gi­me de de­di­ca­ção ex­clu­si­va, re­qui­si­to a que os bol­sei­ros es­tão su­jei­tos atra­vés do EBI. O ver­da­dei­ro pro­ble­ma não é es­sa ex­clu­si­vi­da­de, mas sim o au­men­to do cus­to de vi­da não ser acom­pa­nha­do do au­men­to pro­por­ci­o­nal da re­mu­ne­ra­ção dos in­ves­ti­ga­do­res e de es­tes não ve­rem a sua re­la­ção la­bo­ral re­co­nhe­ci­da e en­qua­dra­da com os de­vi­dos di­rei­tos, em con­cre­to com a subs­ti­tui­ção de to­das as bol­sas por con­tra­tos de tra­ba­lho. A con­tra­di­ção pa­ten­te nes­ta me­di­da re­ve­la a fal­ta de co­e­rên­cia e de vi­são es­tra­té­gi­ca pa­ra o de­sen­vol­vi­men­to ci­en­tí­fi­co e edu­ca­ti­vo do país.

O Governo as­su­me, des­ta for­ma, não dar res­pos­ta aos pro­ble­mas da Escola Pública e dos pro­fes­so­res. Por um la­do, ig­no­ra as su­as jus­tas rei­vin­di­ca­ções, co­mo a ne­ces­si­da­de de va­lo­ri­za­ção pro­fis­si­o­nal, me­lho­ri­as nas con­di­ções de tra­ba­lho e re­po­si­ção in­te­gral do tem­po de ser­vi­ço. Por ou­tro la­do, de­ci­de agra­var os pro­ble­mas dos bol­sei­ros de in­ves­ti­ga­ção, su­jei­tan­do-os a uma du­pla pre­ca­ri­e­da­de. Esta op­ção evi­den­cia uma fal­ta de com­pro­mis­so com a re­so­lu­ção dos pro­ble­mas es­tru­tu­rais tan­to no sis­te­ma edu­ca­ti­vo co­mo no sis­te­ma ci­en­tí­fi­co e tec­no­ló­gi­co nacionais.