Fundação para a Ciência e Tecnologia deve milhões de euros às universidades
In Público, 6 de Outubro 2006
A Fundação para a Ciência e Tecnologia, um organismo dependente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, deve milhões de euros a várias universidades portuguesas relativamente a financiamentos de investigação, disseram à Lusa alguns responsáveis do ensino superior.
De acordo com o responsável pelos projectos de investigação da Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Miguel Miranda, o montante global em dívida àquela universidade ronda os dois milhões de euros.
Este valor corresponde ao que falta receber da “regularização dos gastos gerais de anos anteriores, do financiamento das unidades em 2006 e do ressarcimento de projectos correntes do programa POCI [Programa Operacional Ciência e Inovação] 2010”, especificou o mesmo responsável.
Miguel Miranda afirmou que “a situação está francamente difícil”, porque “há projectos [de investigação] já acabados há muito tempo que não estão pagos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia às universidades”.
“A Fundação para a Ciência e Tecnologia não regulariza a situação há três anos. Ao fim do terceiro ano a situação é insustentável, porque nós temos pago, mas não há ressarcimento”, afirmou Miguel Miranda.
Em relação ao financiamento plurianual de unidades de investigação – financiamento base para estas poderem operar -, o responsável adiantou que até Outubro só receberam 15 por cento do esperado.
“As universidades não têm orçamento de investigação. Temos conseguido de uns financiar outros, mas gerimos mais de uma centena de bolsas, o que equivale a pagar cerca de 120 mil euros por mês. Haverá um ponto em que seremos incapazes. Existe um limite de elasticidade”, considerou o mesmo responsável.
Miguel Miranda reconheceu que boa parte destes atrasos se prende com a gestão de programas anteriores, mas considerou que “cabe à actual gestão encontrar os meios financeiros e as estratégias administrativas adequadas”.
Fundação diz que não há incumprimento
O presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), João Sentieiro, reconheceu, por sua vez, que “algumas instituições possam estar a viver dificuldades”, mas justificou-as com o carácter das regras impostas para a utilização dos fundos comunitários e com a “baixa execução apurada no fim de 2005”, e não com o “incumprimento da FCT”.
Conforme explicou, o acordo feito pelo anterior Governo com a Comissão Europeia determina que o financiamento plurianual das unidades passe a assumir a forma de financiamento a projectos.
Mas as regras de utilização dos fundos comunitários impedem adiantamentos a projectos (instituições), ou seja, os fundos só podem ser transferidos “mediante comprovativo de despesa validada”.
Neste momento, encontram-se em fase de validação as despesas relativas a 2005 declaradas pelas instituições nos relatórios que enviaram à FCT em Junho passado.
Universidade de Aveiro também se queixa dos atrasos
Também Francisco Vaz, vice-reitor da Universidade de Aveiro, se queixa dos atrasos da FCT, que tem para com aquele estabelecimento de ensino superior uma dívida de mais de um milhão de euros.
Segundo este responsável, há “atrasos de pagamentos significativos”, mas o maior diz respeito às propinas dos bolseiros de doutoramento, que “só foram pagas até 2004”.
Isto significa mais de meio milhão em dívida só relativamente ao ano de 2005 (falta também 2006), já que a universidade tem 270 bolseiros e que cada um “custa mais de 2500 euros”, explicou.
Contudo, no que respeita aos custos de formação dos bolseiros, a FCT afirma que “não está em falta” e assegurou que já foi paga a maior parte dos custos relativos a 2005.
“A Fundação paga em cada ano civil os custos de formação apurados e relativos ao ano anterior. Assim, em 2006 já foi paga a maior parte dos custos de formação relativos a 2005. Até ao final de 2006 será pago o remanescente”, afirmou João Sentieiro.
Na Universidade de Aveiro os financiamentos base das unidades de investigação e dos laboratórios associados “estão também bastante atrasados, rondando as largas centenas de milhares de euros”, disse o vice-reitor.
Ao centro de investigação em materiais cerâmicos e compósitos, daquela universidade, os atrasos “são da ordem dos 350 mil euros”.
Em relação ao reembolso do dinheiro para financiamento de projectos, o responsável afirmou estar igualmente em atraso, embora nestes casos tenha vindo a ser pago com alguma regularidade.
“O panorama não é risonho, mas graças a uma razoável gestão as coisas ainda estão a funcionar, com verbas próprias. Só que há limites. Não podemos ir à banca buscar dinheiro”, afirmou o vice-reitor.
Universidade Nova de Lisboa confirma dívidas
Também a Universidade Nova de Lisboa confirmou a existência de dívidas no financiamento da investigação, embora sem querer “entrar em pormenores”.
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica afirma igualmente ter conhecimento dos atrasos da FCT, nomeadamente no pagamento das propinas de formação dos bolseiros de doutoramento.
Segundo André Levy, daquela associação, a FCT não tem pago na totalidade as despesas dos projectos de investigação, nem os financiamentos de unidades, “na parte que não está ligada a projectos, como as despesas de funcionamento”.