6 de Fevereiro de 2023
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica reuniu, no dia 6 de Fevereiro de 2023, com a Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, e com a Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Madalena Alves. Nesta reunião abordaram-se questões relativas à actualização do valor das bolsas, às taxas de entrega de tese, às bolsas de doutoramento em ambiente não-académico e ao fim do Estatuto do Bolseiro de Investigação, no seguimento da campanha dos 20 anos da ABIC A cada Investigador um Contrato: Fim do Estatuto do Bolseiro de Investigação, entre outros assuntos que afectam a vida e o trabalho dos investigadores com bolsa.
Este comunicado dará nota informativa dos pontos abordados, mas queremos deixar desde já uma declaração: a visão estratégica deste Ministério, não sendo contrariada, virá acentuar ainda mais os problemas vividos pelos trabalhadores científicos com vínculo de bolsa e de contrato de trabalho precário. Tanto o Ministério como a FCT deixaram claro um grande desconhecimento da realidade laboral de quem faz ciência com vínculos precários, da missão pública do ensino superior e das características do trabalho científico nas áreas das ciências sociais e das humanidades. À urgência, cada vez maior, de consagrar direitos laborais nas políticas públicas, MCTES e FCT sobrepõem a base da denúncia e do “bom-senso,” como se todos estes anos não nos tivessem mostrado que o bom-senso individual foi quase sempre desfavorável a quem está mais desprotegido. Saímos desta reunião com uma certeza redobrada: todos nós, trabalhadores científicos, temos de estar unidos e mostrar a nossa força, independentemente do nosso vínculo.
- Actualização do valor das bolsas
A FCT e o MCTES decidiram, ainda antes da reunião com a ABIC, divulgar que as bolsas iriam ser actualizadas em 55 euros, considerando o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN). Tendo em conta o aumento substancial do custo de vida verificado em 2022, que se prevê que se mantenha em 2023 (inflação média de 9,8% no segundo semestre de 2022), assim como a perda de poder de compra acumulada desde 2002 que ultrapassa os 21% (incluíndo já a actualização de 55 euros de 2023), a ABIC considera que a actualização decidida pela FCT é manifestamente insuficiente (ficando abaixo de um aumento de 5% para as bolsas de doutoramento, por exemplo) e, portanto, não compensando o aumento do custo de vida. A ABIC expôs esta mesma situação à FCT e ao MCTES, que se mostraram intransigentes na sua decisão, afirmando que estava tomada e não haveria mais aumentos durante o ano corrente.
- Taxas de entrega de tese
O MCTES comprometeu-se, mais uma vez, com o fim das taxas de entrega de tese, retomando a promessa feita pelo anterior Ministro. Recordemos que foi em Julho de 2021 que veio a primeira promessa no quadro do Orçamento do Estado para 2022. A situação mantém-se, e mesmo após a expressão alcançada pela petição promovida pela ABIC, com mais de 8000 assinaturas, a Ministra Elvira Fortunato referia, até há pouco tempo, a intenção de apenas discutir com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) a cobrança destas e de outras taxas e emolumentos para as nivelar. É com agrado que a ABIC nota uma aparente mudança de discurso perante esta matéria em sede de reunião. Enquadrando-se as taxas de entrega de tese na tabela de taxas e emolumentos, que serão revistas no âmbito dos contratos-programa com as Instituições de Ensino Superior, ficou acordado que até Julho sairá uma resposta concreta a este compromisso.
- Bolsas de doutoramento em ambiente não-académico
A ABIC apresentou ao MCTES e à FCT a sua posição relativamente ao anúncio das bolsas de doutoramento em ambiente não académico. Este tópico contará com um comunicado mais detalhado, no entanto destacamos aqui alguns pontos centrais: o significado desta medida para o alargamento da precariedade a outros sectores fora da academia; a subversão do princípio basilar da equidade de financiamento por áreas científicas em função do número de candidaturas por painel por que a FCT se tem pautado nos concursos nacionais; a total ausência de argumentos concretos que justifiquem esta decisão de fundo além do seu princípio político e do que a tutela espera que venha a acontecer; o detrimento da criação de conhecimento em prol da criação de valor. FCT e MCTES mostraram surpresa com as reservas colocadas pela ABIC, confirmando uma vez mais o desconhecimento da realidade laboral dos bolseiros de investigação e investigadores com outros vínculos precários, e suas reivindicações.
- Fim do Estatuto do Bolseiro de Investigação
A ABIC expôs detalhadamente os princípios descritos na carta aberta A cada investigador um contrato: fim do Estatuto do Bolseiro de Investigação, tendo sido este, de resto, o motivo para o pedido de audiência. Colocámos a questão mais óbvia: trabalho científico é trabalho, independentemente do vínculo e da fase da carreira, sendo uma grande parte desse assegurado pelos cerca de 13 000 investigadores com vínculo de bolsa. Fomos também mais longe e mostrámos como os contratos de trabalho em fase de formação, nomeadamente na fase de doutoramento, já são a norma em diversos países europeus (Alemanha, França, Dinamarca ou Espanha, entre outros) e de como, mesmo em Portugal, a conciliação entre trabalho e formação é feita com contratos de trabalho noutras áreas (por exemplo, na medicina). No meio de diversas contradições, MCTES e FCT procuraram associar o trabalho científico apenas ao que é esperado da formação, reiterando a condição do bolseiro como “aluno.” A ABIC deixou claro que a única base de entendimento possível para discutir uma estratégia séria para a ciência tem de partir do pressuposto que os resultados científicos advêm de trabalho científico. Este é, de resto, um pressuposto amplamente defendido pela comunidade científica e, como tal, não podemos aceitar que a tutela, que é suposto legislar com vista à melhoria das condições de vida e de trabalho deste sector, tenha um entendimento tão dissociado daquela que é a realidade. Acresce o facto de, no contexto da discussão deste tópico, a ABIC ter alertado para a realidade de muitos investigadores e gestores continuarem como falsos bolseiros, bem como para de muitos investigadores trabalharem longos períodos sem remuneração. Perante esta constatação, MCTES e FCT afirmaram que essa realidade não existe e que, existindo, deve ser denunciada caso a caso, como se não se tratasse de um problema sistémico que tem como principal motivo a precariedade generalizada na investigação científica.
- Outras questões
- Parentalidade
A ABIC denunciou de novo os problemas por que passam investigadoras e investigadores em licença de parentalidade ou em baixa por gravidez de risco que, mesmo depois de pedirem a suspensão dos trabalhos por via da licença, continuam a ver a sua universidade pedir-lhes o pagamento de propinas. Por outro lado, as investigadoras e os investigadores com bolsa contratados através de projectos, sejam da FCT ou de outras entidades, não têm assegurado o pagamento de uma licença de parentalidade que abarque a totalidade do valor da bolsa, vendo-se a subsistir com 480 euros por mês durante o período da licença. A ABIC e a FCT concordaram em avaliar em conjunto os regulamentos em vigor e procurar um mecanismo que inscreva a obrigatoriedade do pagamento integral da bolsa, como sucede com as directamente financiadas pela FCT.
- Questões expostas que serão avaliadas e acompanhadas no decorrer das próximas semanas
- A garantia do pagamento de propinas no caso das bolsas cuja prorrogação implica inscrição num novo ano lectivo;
- A inclusão do SSV na Portaria 19-A relativa ao apoio extraordinário a trabalhadores independentes no âmbito da pandemia de Covid-19;
- A prática de a FCT pedir esclarecimentos relativamente à participação de bolseiros em equipas de projectos, associações e outras actividades que não interferem com o regime de exclusividade;
- A exigência de documentos (como contratos de arrendamento ou contas em nome próprio) a pessoas de nacionalidade não portuguesa para a contratualização da bolsa;
- A impossibilidade de contratualização de bolsa mista a pessoas de nacionalidade não portuguesa sem residência permanente em Portugal;
- O custo elevado dos diplomas de equivalência de graus obtidos no estrangeiro, bem como a morosidade do processo.
Estas políticas não nos servem nem servem a ciência e a investigação científica. A luta pelo fim do EBI e pela integração dos investigadores nas carreiras é uma luta de todos. A luta pelo direito a condições de trabalho dignas é uma luta pelo fim do domínio da ciência pronta-a-consumir. A luta pelo direito à criação de conhecimento é uma luta pela missão do ensino superior e da ciência. Só um sector unido pode fazer a diferença!
Dia 9 de Fevereiro, participa:
- Lisboa
Concentração • Reitoria da Universidade de Lisboa às 12h
Manifestação • Largo Camões às 15h
- Porto
Manifestação • Escola Rodrigues de Freitas às 15h