Comunicado – Reunião da ABIC com a FCT, 12 de Março de 2020
A ABIC reuniu com a Presidente da FCT, Prof.ª Doutora Helena Pereira, no dia 12 de Março de 2020. Sistematizamos, de seguida, em 5 tópicos os assuntos discutidos:
- Conjuntura actual associada ao COVID-19
- Projectos I&D 2020.
- Aumento do valor das bolsas.
- EBI e Regulamento de Bolsas
- CEEC 2019
- COVID-19. A ABIC perguntou à FCT de que modo se reflectirá o Plano de Contingência vigente no que diz respeito aos prazos de submissão de candidaturas a Projectos I&D 2020 e Bolsas de Doutoramento 2020; às medidas de salvaguarda da condição laboral dos bolseiros e investigadores que por tempo indeterminado se deparam com fortes constrangimentos no seu trabalho; e à mobilidade internacional.
- É entendimento da FCT que, por agora, os prazos em vigor serão mantidos, situação que será analisada e poderá variar caso a alteração do quadro associado à pandemia COVID-19 se agrave. Os casos pontuais de constrangimentos que chegarem à FCT serão atendidos, segundo a Presidente da FCT.
Não obstante, a ABIC considera que, ainda que as Instituições de Ensino Superior (IES) tenham sido apenas parcialmente encerradas, com a suspensão das actividades lectivas presenciais, a realidade mostra-nos que vários são os investigadores que, sobretudo ao nível dos projectos, estão a sentir fortes barreiras ao normal funcionamento da preparação das candidaturas. Com os serviços das IES a funcionar de modo inconstante, com candidatos a não conseguirem obter os documentos necessários para as candidaturas a Projectos de I&D e Bolsas de Doutoramento (nomeadamente os estudantes de nacionalidade não portuguesa que necessitam de documentos de validação e equivalência de notas), entre outros, não podemos deixar de considerar necessário que os prazos sejam prorrogados.
NOTA: Durante o dia 13 de Março, a ABIC e a FENPROF, ao lado de muitos investigadores e outros organismos, solicitaram formalmente à FCT a prorrogação dos prazos do concurso para atribuição de Bolsas de Doutoramento e do concurso de Projetos devido aos constrangimentos que o plano de contenção do Covid-19 impõe. Na noite do dia 13, a FCT anunciou a prorrogação desses mesmos prazos.
2. A FCT reforçou que não estão previstas prorrogações de contratos e de bolsas. No que diz respeito ao CEEC 2019 e DL57, os contratos são com as IES e, por esse motivo, a FCT não prevê interferir. Quanto aos investigadores contratados, através de contrato de trabalho ou de bolsa, não terão, para já, os seus vínculos prolongados. Já no que diz respeito aos projectos, foi-nos informado que os pedidos de prolongamento poderão ser acedidos. Apesar disto, não haverá aumento de financiamento do projecto e, deste modo, ainda que o projecto possa alterar verbas entre rubricas, não terá uma compensação que abarque o impacto do Plano de Contingência no normal funcionamento dos planos de trabalho. A FCT não descarta, contudo, que casos mais particulares possam exigir uma acção particular.
É para a ABIC claro que esta posição não se coaduna com aquilo que deve ser a decisão e antecipação da tutela de um possível e provável cenário de agravamento da situação de contingência. Podendo ou não verificar-se, a ausência de um plano de salvaguarda dos trabalhadores científicos é uma preocupação para os mesmos. Sejam aqueles que, por estes dias, se vejam em situações anormais (nomeadamente de quarentena ou que passam a ter de prestar apoio familiar), sejam aqueles que, tendo todas as possibilidades pessoais para trabalhar em condições, tenham os seus laboratórios, bibliotecas, arquivos e outros espaços de trabalho fechados, todos verão o seu trabalho e vida afectados. Deste modo, a ABIC apela a que a FCT acautele os direitos dos trabalhadores científicos, para que ninguém saia prejudicado desta situação, tanto laboral como financeiramente.
3. Relativamente à mobilidade internacional que tenha sido suspensa, a FCT indicou que será devidamente ajustada às necessidades e planos previstos.
4. A ABIC questionou ainda se estão previstos reembolsos aos Bolseiros de Doutoramento que tenham obtido viagens, alojamento e outras despesas afectas a deslocações próximas a conferências ao abrigo da rubrica para apresentação de trabalhos em reuniões científicas (n.º 7 do artigo 18.º do Regulamento de Bolsas da FCT – o subsídio único de 750 euros) e que entretanto tenham sido canceladas. A FCT equacionará esta situação, respondendo assim que a situação estiver analisada.
2. Projectos I&D 2020. A ABIC fez notar à FCT que existe uma incompatibilidade entre um Investigador Doutorado contratado ao abrigo dos Projectos I&D de 2017 (que estão actualmente em curso) e a possibilidade de, como Investigador Responsável, contratualizar um projecto que venha a ser financiado ao abrigo do concurso I&D de 2020, por um lado porque estes Investigadores estão em regime de exclusividade e assignados a 100% ao projecto em curso e, por outro, uma vez que a rescisão do contrato antes dos 30 meses violaria as normas de elegibilidade no concurso I&D 2020, os projectos poder-se-iam ver prejudicados. Em resposta à ABIC, a FCT respondeu que esta incompatibilidade não se colocará por dois motivos: 1) a sobreposição cronológica entre projectos será residual, dadas as previsões de conclusão do procedimento concursal e as datas previstas de conclusão dos projectos em curso, e resolvida caso seja colocada; e 2) a FCT está a empregar esforços para considerar que o critério de elegibilidade só possa vir a ter consequências se a responsabilidade puder ser imputada ao beneficiário (Instituição). Nesse sentido, a condição dos actuais contratados que possam vir a ser contratualizados ao abrigo de novos projectos está salvaguardada. No entanto, as verbas remanescentes, decorrentes de rescisões contratuais, que estejam afectas à rubrica de recursos humanos, para além de não poderem ser alocadas a outras rubricas, não poderão ser usadas para contratar um novo Investigador (já que o DL57 obriga à contratação por um período mínimo de 36 meses) não podendo igualmente ser utilizadas para a sua substituição por um bolseiro.
- Aumento do valor das bolsas. A ABIC questionou a FCT relativamente à discriminação expressa na actualização do valor das bolsas que não previa as categorias entretanto extintas com a revisão do EBI (BGCT, BTI, BMOB), uma vez que, apesar de extintas, estão ainda ativas e muitos são os bolseiros que manterão o seu vínculo àquelas bolsas por vários meses. A FCT mencionou que, de momento, está a finalizar a actualização de todos os bolseiros directamente financiados e que será publicada numa nova tabela onde estará contemplado o aumentos para os bolseiros ao abrigo das categorias extintas, recebendo estes o valor actualizado retroactivamente desde Janeiro de 2020. Atempadamente, a FCT far-nos-á chegar os desenvolvimentos deste assunto, sendo que se comprometeu a que este valor tenha um aumento equivalente ao das bolsas já actualizadas (cerca de 6%). Relativamente à actualização em curso, que estava prevista estar concluída em Março, a FCT indicou que há um número reduzido de situações por resolver, mas que serão tratadas muito em breve.
- EBI e Regulamento de Bolsas. A ABIC reforçou que, com a alteração ao EBI e a obrigatoriedade de inscrição do bolseiro em graus ou diplomas, muitos são os bolseiros que ficaram e ficarão sem trabalho e rendimento quando as suas bolsas forem concluídas. Reforçou ainda que o quadro alternativo a esta realidade é os bolseiros pagarem propinas para poderem trabalhar ao abrigo de um contrato de bolsa, independentemente da área científica do grau ou diploma associado. Uma grande parte dos editais publicados desde a entrada em vigor do novo Regulamento de Bolsas exige comprovativo de inscrição no momento de candidatura, limitando a priori as possibilidades de acesso aos candidatos ou obrigando-os a pagar inscrições para que se possam candidatar. A FCT referiu que os candidatos não deveriam ser obrigados a estar inscritos no momento da sua candidatura. Por seu turno, muitos editais não especificam a área científica requerida, mostrando que o argumento invocado pelo Ministro Manuel Heitor de que, com esta revisão, as bolsas passam a ter um perfil de formação, é não mais do que uma falácia, uma ilusão e será, como no passado e enquanto existirem bolsas, alvo de distorção e aproveitamento por quem contrata.
A ABIC reforçou ainda o facto das propinas não serem despesa elegível nos projectos, levando, na prática, a uma redução drástica no valor absoluto das bolsas, visto que os bolseiros passam a ter de pagar do seu bolso os custos de frequência no grau ou diploma em que se inscrevem para poder auferir da bolsa de investigação. A FCT indicou que as normas de execução financeira das unidades de I&D foram alteradas e que, de momento, as despesas de formação já são despesas elegíveis para a FCT, prevendo-se que o mesmo suceda no concurso a projectos em curso. Não obstante, a ABIC vincou que o pagamento dos custos de formação deveria ser obrigatoriamente suportado pelas instituições de acolhimento, não deixando margem para que essa decisão seja tomada pelas próprias instituições.
A este respeito, a ABIC reforça que, enquanto as bolsas forem uma realidade, o caminho não pode ser o que actualmente o MCTES e a FCT percorrem, promovendo a precariedade permanente através de bolsas, contratos a termo ou através de novos modelos laborais, como os estágios. É entendimento da ABIC que o combate à precariedade na ciência passa invariavelmente pela revogação do Estatuto do Bolseiro e pela transformação de todas as bolsas em contratos de trabalho, em paralelo com uma efectiva valorização do Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC).
- CEEC 2019. Relativamente ao CEEC 2019 a ABIC pediu, desde logo, o número de candidaturas submetidas nesta edição. A FCT indicou que o número é semelhante ao da edição anterior (no CEEC 2018 foi de 3671). Esta realidade mostra, mais uma vez, que a bandeira do pleno emprego entre doutorados não corresponde à actual conjuntura. Pelo contrário, espelha a precariedade crónica que está impregnada no sector da ciência. A FCT entende que é preciso responsabilizar as Instituições mas, sobretudo, caminhar para que a Administração Pública e o Sector Privado absorvam doutorados. Nesta linha, a FCT considera que o Sistema Científico e Tecnológico Nacional não consegue dar resposta a todas as necessidades laborais dos doutorados, nomeadamente a quem, doutorado há vários anos, fica consecutivamente excluído de financiamento nesta que a FCT considera ser uma fase de mudança de mentalidades e de consolidação do uso de contratos de trabalho em vez de bolsas. A ABIC deixou claro que não só a tutela tem uma responsabilidade perante estes doutorados, que há vários anos contribuem tanto para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) como para as Instituições Universitárias, saltando de bolsa em bolsa ou de contrato a termo em contrato a termo, como o modelo de “ciência a seis anos” não é sustentável e não dá estabilidade nem a nenhum trabalhador científico nem ao próprio SCTN. É urgente, sim, dignificar o ECIC e garantir que os trabalhadores científicos têm acesso às respectivas carreiras.
Por último, a ABIC questionou a FCT relativamente à situação de discriminação dos trabalhadores científicos que, por diversos motivos (e.g. licenças de parentalidade, licenças por doença, períodos de trabalho noutro sector, etc.), têm o Doutoramento há mais de cinco anos mas que, na realidade, não completam 5 anos enquanto investigadores e, por isso, deveriam poder candidatar-se à posição de “Investigador Júnior” de forma a concorrer em condições de equidade com os colegas. A FCT referiu que a conjuntura é complexa e que foi necessário salvaguardar também quem nos últimos cinco anos concluiu o seu Doutoramento e partia para este concurso em desvantagem com colegas que obtiveram o Doutoramento há mais tempo. Apesar de não estar regulamentado, a FCT garantiu que as licenças e outros motivos de afastamento vão ser tidos em conta na avaliação e estarão presentes no guião entregue aos avaliadores. A título de exemplo, se o avaliador tiver orientação para ter em consideração os últimos cinco anos de actividade e um candidato tiver tido um ano de licença, apenas os restantes quatro anos serão contabilizados para efeitos de avaliação. A ABIC referiu que, tendo em conta as baixíssimas taxas de aprovação, os critérios não têm forma de ser objectivos a partir de determinado ponto. Nesse sentido, reforçámos que este tipo de situações têm de estar acauteladas no Regulamento do Emprego Científico, não deixando apenas para uma fase posterior de avaliação. A ABIC reitera a sua posição anterior, manifesta em comunicado, considerando que estas licenças e condicionantes devem ser tidas em conta no momento de candidatura pois é esse o momento em que se define a posição à qual concorrer (Investigador Júnior, Auxiliar, Principal ou Coordenador), e que será diferente das demais em termos de critérios de elegibilidade e de avaliação.
Aos olhos de hoje, o ontem conquistado parece sempre que foi oferecido. Mas foi sempre através da luta que tudo foi conseguido. E é com confiança que a ABIC luta, em nome de todos os bolseiros, independentemente da sua tipologia de bolsas e da fase das suas carreiras, e de todos os investigadores precários, como iguais. Iguais perante a mais fundamental justiça do direito ao contrato de trabalho e do direito de acesso a uma carreira. Não há seniores nem juniores perante esta justiça. E essa justiça só virá a ser feita enquanto lutarmos por ela.