Um retrocesso para o progresso científico e tecnológico em Portugal
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) manifesta a sua apreensão perante o anunciado corte de 68 milhões de euros no financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) para 2025. Como alertámos em Maio, aquando da divulgação de notícias relacionadas com problemas financeiros da FCT, esta decisão representa um novo passo no desinvestimento na ciência em Portugal e reflecte uma visão política que desresponsabiliza o Estado pelo progresso científico e pelo desenvolvimento tecnológico do país.
Ainda que aparentemente justificado pela nota explicativa do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) (págs. 63 – 64) e pelo ministro como uma alteração nas entidades que procedem à transferência de verbas da União Europeia, nota-se desde logo um aumento da opacidade no que diz respeito à divulgação do investimento e despesas previstas em ciência para 2025. Simultaneamente, a redução prática do orçamento da FCT – que não é colmatada pelo ligeiro aumento no financiamento por via de receitas de impostos (i.e. através de investimento directo do Estado) – vem para todos os efeitos retirar dinheiro à FCT e ao investimento público em ciência, preparando-se o ministério para manter os cortes actuais, mascarando-os em próximos orçamentos como aumentos no financiamento.
Assim, exige-se desde logo a divulgação do orçamento consolidado do investimento previsto em ciência em todas as entidades da administração pública (incluindo-se os restantes ministérios e CCDRs), assim como a divulgação de quais serão os objectivos de financiamento desse orçamento, nomeadamente os valores assignados para Projectos de I&D, Emprego Científico, Bolsas de Doutoramento, Instituições de I&D, entre outros, à semelhança de notas explicativas passadas.
A ABIC nota ainda a referência ao aumento de programas de estímulo na contratação de doutorados por empresas, ainda que não seja concretizado financeiramente de forma clara pelo MECI. Aliado aos já referidos cortes, este alargamento consistirá na transferência de financiamento público para entidades privadas, sendo portanto na prática outro corte no financiamento público na ciência. Por fim, o Ministério volta a referir a necessidade de estudo sobre a cobrança de taxas de emolumentos pelas IES, mencionando inclusive que estes devem reflectir o custo dos serviços prestados. Tal visão de um ensino superior prestador de serviços, consequência também de um regime jurídico das instituições de ensino superior que a promovem, é inaceitável num ensino superior que se quer justo e democrático.
Os sucessivos cortes no financiamento público da ciência e a crescente dependência de fundos externos revelam uma orientação política que deixa as decisões estratégicas de inovação e ciência cada vez mais nas mãos da iniciativa privada. Este modelo não oferece a estabilidade necessária para que o conhecimento científico se desenvolva de forma independente, atendendo às necessidades sociais e ao desenvolvimento de uma ciência orientada pelo interesse público.
A redução substancial dos Contratos de Emprego Científico (CEEC) – cujo programa é caracterizado por uma taxa de aprovação extremamente baixa – e o número insuficiente de posições permanentes previstas pelo programa FCT-Tenure deixam antever um cenário onde o número de investigadores financiados directamente pelo Estado será consideravelmente reduzido. Este quadro ameaça a continuidade da ciência pública em Portugal e impossibilita a construção de uma carreira científica estável, forçando muitos trabalhadores científicos altamente qualificados a procurar melhores condições no estrangeiro ou no sector privado.
O corte na verba da FCT não é um acto isolado e o subfinanciamento do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) não representa uma novidade. O Orçamento do Estado para 2025 volta a ser insuficiente para garantir condições básicas de funcionamento das instituições de ensino superior e dos centros de investigação. São evidentes as dificuldades para assegurar espaços de trabalho adequados, salários dignos, recursos materiais e despesas correntes.
A ABIC reforça que o actual modelo de financiamento da FCT, baseado na imprevisibilidade e em ciclos curtos de projectos, é insustentável para o progresso científico de longo prazo. A dependência excessiva de concursos competitivos cria uma “cultura de projecto” que impede a construção de uma estratégia científica estável e orientada para desafios duradouros. A ABIC defende que o financiamento da ciência deve valorizar a investigação livre e permitir que os investigadores se dediquem a projectos de impacto estratégico e social, sem estarem limitados a prazos de financiamento curtos e incertos.
Face a esta realidade, a ABIC apela a que o Governo assuma a responsabilidade pelo futuro da ciência em Portugal, revertendo esta política de cortes e desinvestimento. Exigimos que a ciência seja tratada como uma prioridade de Estado e que o Governo garanta:
- A reposição do montante cortado da FCT e um aumento nas transferências do Orçamento do Estado, de modo a assegurar um financiamento estável e menos dependente de fundos externos;
- Uma reforma no funcionamento da FCT, para que se torne mais transparente e previsível, abandonando a cultura de projecto em favor de uma estratégia científica de longo prazo; e
- A criação de um mecanismo de regularização de longos percursos de precariedade e de um instrumento permanente e continuado de financiamento da integração na carreira de investigação científica com necessária dotação orçamental.
A Direcção da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica
Lisboa, 7 de novembro de 2024