No contexto das eleições para o Parlamento Europeu, a ABIC decidiu questionar as várias candidaturas sobre as suas posições relativamente à investigação e, em particular, à precariedade existente no sector. As perguntas incidiram sobre os seguintes tópicos:
1) Caderno reivindicativo da ABIC
2) Carta Europeia do Investigador e Código de Conduta (European Charter & Code) e prémio Human Resources Strategy for Researchers (HRS4R)
3) Privatização do SCTN
Aproximando-se o final da campanha eleitoral, a ABIC recebeu apenas a resposta de três forças políticas: MAS, Livre e CDU. Abaixo reproduzimos as respostas das três candidaturas.
(A ordem na qual aparecem as candidaturas corresponde à ordem que constará no boletim de voto)
- Movimento Alternativa Socialista (MAS)
O Movimento Alternativa Socialista (MAS) muito agradece as questões enviadas e afirma desde já que subscreve toda a pauta reivindicativa da ABIC.
Fazemos notar, no entanto, que no atual quadro político-parlamentar essas exigências, infelizmente, não serão levadas avante. A precariedade laboral é o programa dos Governos de PS, PSD e CDS – mas tampouco é revertida com a recente coligação parlamentar. Ao fim de quase quatro anos pouco mudou para a maioria daqueles que vivem do seu trabalho, particularmente para os bolseiros.
Nesse sentido, o MAS defende:
– Investimento significativo em todo o Ensino Superior.
- Associado a esse investimento, terão de estar contratos de trabalho para todos os bolseiros com todos os direitos sociais associados (subsídio de desemprego, 13º e 14º mês, etc.)
- Aumento das remunerações. Com o aumento do custo de vida, particularmente das rendas, é fundamental um aumento, pelo menos, para os investigadores de projeto e aos pós-doc.
- Integração efetiva por contrato nos quadros das universidades e instituições de investigação. São muitos os bolseiros e investigadores em geral contratados a baixas percentagens pelas universidades, mas “sem lugar” nestas instituições. É necessário integrar estas pessoas absolutamente necessárias. Estas não devem servir para “tapar buracos”: devem formar alunos de estágio, mestrado ou doutoramento. Se se trabalha para universidade, tem de estar integrado na universidade. Se houver contratos de trabalho para investigadores associados a projectos, lab managers, técnicos de investigação, etc, a investigação científica em Portugal dará um salto de qualidade.
- Livre
O desenvolvimento do trabalho científico e as condições de trabalho de quem o faz são temas cruciais para o LIVRE.
Defendemos que as decisões políticas devem ser informadas e com base em evidência científica. Defendemos ainda que é necessário um grande investimento em investigação e desenvolvimento para fazer face aos desafios com que nos deparamos neste século. E para isto é necessária uma comunidade científica forte e estável.
Abaixo encontram as respostas do LIVRE às vossas perguntas. Muito obrigada por nos terem contactado.
- Caderno reivindicativo ABIC e programa de propostas dos partidos no âmbito do direito ao trabalho digno de todos os trabalhadores do SCTN
O LIVRE propõe um Pacto Europeu com os Trabalhadores (onde se incluem naturalmente os investigadores) que reforce os seus direitos e inclua critérios de segurança no emprego, suporte na mudança de carreira para a convergência dos salários na Europa.
Muito mais relevante, no presente contexto, é a nossa proposta de investimento massivo na transição para um modelo de desenvolvimento sustentável e socialmente responsável. Apoiado em iniciativas como o Novo Pacto Verde (Green New Deal) ou a criação de bens digitais comuns, este investimento incidirá seguramente nas áreas científicas e tecnológicas, criando os empregos necessários para dar à Europa uma posição de liderança na transição ecológica planetária.
Defendemos ainda a democratização da investigação e inovação, fomentando a participação cidadã na definição da missão e do destino dos fundos de inovação da UE„ (ii) atribuindo mais recursos aos projetos cooperativos e às organizações da sociedade civil de cariz social, e (iii) instituindo direitos de propriedade coletivos para os produtos resultantes do investimento público.
- Cumprimento da Carta Europeia do Investigador e Código de Conduta (European Charter & Code) e prémio Human Resources Strategy for Researchers (HRS4R) nas instituições dos Estados Membros da União Europeia
A situação dramática da investigação em Portugal resultou de uma ação do lado da oferta, apoiada por fundos comunitários, a qual não teve eco do lado da procura. Criou-se uma estrutura de financiamento de projetos e um sistema de bolsas que teve um sucesso reconhecido: elevou a produtividade científica do país e formou uma geração de investigadores altamente qualificada. No entanto, o esforço requerido aos que apostaram numa formação pós-graduada não foi acompanhado por um aumento da procura pelos resultados da investigação. Nem as empresas investiram na melhoria das suas capacidades de desenvolvimento tecnológico e inovação, nem o Estado foi capaz de reconhecer as vantagens que o reforço da rede de Laboratórios de Estado lhe poderia proporcionar. A crise de 2008 e a austeridade que se lhe seguiu fez o resto: muitos dos que quiseram seguir uma carreira de investigação fizeram o mesmo que milhares de outros portugueses altamente qualificados: emigraram.
O LIVRE defende que o sistema de bolsas deve apenas abranger as etapas da formação. Após o doutoramento, o trabalho de investigação deve ser regido pelas normas legais do Estatuto da Carreira de Investigação Científica. Em particular, apoiamos integralmente o disposto na Carta Europeia do Investigador e no Código de Conduta para a sua contratação, e manifestamos o nosso compromisso de lutar para a completa implementação destes princípios em toda a União Europeia, incluindo naturalmente Portugal.
- Privatização progressiva do SCTN e proliferação de instituições privadas para fins de gestão de recursos humanos em ciência
As situações apontadas são lamentáveis por institucionalizarem a precariedade e irem a contraciclo do que pensamos ser desejável: o reforço das capacidades de I&D do Estado, da sociedade civil e das empresas. No entanto, todos sabemos que a gestão privada de recursos humanos em ciência corresponde a respostas lógicas das instituições (nomeadamente as de ensino superior) aos constrangimentos financeiros e regulamentares que lhes são impostos. Mais do que apontar o dedo, é necessário propor soluções. Pensamos que nas respostas anteriores enunciámos um conjunto de posições e propostas que dariam aos investigadores o seu devido lugar na sociedade.
- Coligação Democrática Unitária (CDU)
1. Sobre o Caderno Reivindicativo.
Só a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) e a substituição de todas as bolsas por
contratos, associada à valorização da integração na Carreira de Investigação Científica, podem
resolver de vez o problema da precariedade na ciência. Neste sentido o PCP tem levado
constantemente à discussão na Assembleia da República a proposta de revogação do EBI e a criação
do Regime jurídico da contratação do pessoal de investigação científica. Se foram conseguidos
avanços – ainda que largamente insuficientes – no domínio do emprego científico nesta legislatura,
estamos cientes dos constrangimentos à aplicação dos diplomas, através do boicote preconizado
pelas instituições de ensino superior de demais instituições científicas (i.e.: laboratórios de Estado) e
pelos entraves e atrasos impostos por parte do Governo para a integração efectiva dos
trabalhadores nas respectivas carreiras. Sabemos que o Sistema Científico e Tecnológico Nacional
não é formado apenas por investigadores doutorados e, nesse sentido, urge igualmente passar a
justo contrato todos os investigadores não doutorados, gestores de ciência, comunicadores de
ciência, técnicos de laboratório e demais trabalhadores científicos.
2. O PCP partilha das recomendações contidas da Carta Europeia dos Investigadores e do Código de
Conduta para o Recrutamento de Investigadores. Em primeiro lugar, a exigência da sua aplicação
deve ser feita junto do governos e instituições de ensino superior e investigação em Portugal. A
transformação da Carta e do Código em directiva resultará, necessariamente, na aplicação de
sanções da UE aos Estados-membros, medidas contra as quais o PCP luta diariamente em defesa da
soberania do País. De resto, e tendo em conta a especificidades da UE, consideramos que é o facto de
a Carta e o Código de Conduta não ser vinculativos que permite a sua redacção, caso contrário,
dificilmente essa redacção resultaria num texto tão positivo. Assistimos a uma contradição evidente
entre uma recomendação adoptada por diversas instituições do Sistema Científico e Tecnológico
Nacional e uma prática que dessa se distancia e essa é uma denúncia que tem de ser feita. Acresce a
realidade de subjugação de uma estratégia governativa para o Sistema Científico e Tecnológico
Nacional, no domínio científico, às directivas europeias, quando deveria ser a realidade nacional a
ditar essa mesma estratégia.
O PCP tem vindo a defender a transformação de cada bolsa em contrato de trabalho,
independentemente do grau de formação do trabalhador, posição que continuaremos a defender
activamente na luta ao lado dos trabalhadores de ciência. Assumimos o compromisso de diálogo
com a ABIC, associação cujo trabalho desenvolvido consideramos fundamental na defesa dos direitos
e interesses dos trabalhadores de ciência e a qual temos auscultado com frequência em matéria de
precariedade laboral e de realidade do SCTN.
3. A privatização do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, bem como do Ensino Superior, é uma
realidade que o PCP tem denunciado e para a qual tem apresentado diversas propostas no quadro da
Assembleia da República. A abertura à transformação das Universidades em Fundações Públicas de
Direito Privado, através do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, e o recurso às
Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos, precarizam ainda mais os vínculos laborais dos
trabalhadores de ciência. Esta é uma realidade nas Fundações, através da contratação ao abrigo do
Código do Trabalho, como o é nas IPSFL, onde os trabalhadores contam como quadros (com vínculos
precários) para a Universidade no momento de contabilizar a produção científica, mas como
trabalhadores das IPSFL no momento de ver o seu justo vínculo de trabalho regularizado (i.e.: a
rejeição para admissão ao PREVPAP, a alteração de instituição de acolhimento para os contratados
ao abrigo do DL57, etc.). O recém-publicado Regime Jurídico das Instituições de I&D (DL 63/2019),
bem como uma série de diplomas anteriores, vêm instaurar e institucionalizar a crescente
privatização do SCTN, medidas legislativas que o PCP não deixará de contestar e sobre as quais
continuará a apresentar propostas no sentido de dignificação da ciência e de efectivo
reconhecimento dos direitos laborais de quem a produz.