A Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) considera um insulto aos mais elementares direitos dos trabalhadores científicos portugueses, e dos bolseiros em particular, o comunicado do Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) de 06/03/2018. O CRUP vincula os mais altos dignitários das instituições universitárias portuguesas a um conjunto de princípios que estão em clara dissonância quer com documentos subscritos por algumas das instituições representadas no CRUP (nomeadamente a Carta Europeia do Investigador e o seu Código de Conduta – cf. https://euraxess.ec.europa.eu/jobs/charter), quer ainda com princípios consensuais em parte significativa dos membros da comunidade académica. A ABIC repudia ainda a leitura falaciosa feita pelo CRUP sobre os objetivos das mais recentes políticas públicas para a regularização e promoção de vínculos laborais dos trabalhadores científicos.
A missão das instituições científicas
À revelia dos princípios de representação das diferentes sensibilidades da comunidade científica, alegam os membros do CRUP que “(…) a missão das universidades pressupõe uma rotação elevada dos seus investigadores e bolseiros (…)” (sic), justificando assim os elevados e endémicos níveis de precariedade que promovem nas instituições que lideram. Tal afirmação desrespeita os mais elementares direitos laborais dos trabalhadores científicos. De facto, os benefícios da política de rotatividade dos recursos humanos são obviamente questionáveis quando os membros do CRUP convivem com centenas de bolseiros, nas suas instituições, com os quais celebram sucessivos contratos ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação científica.
As necessidades permanentes e a formação dos trabalhadores
A atividade científica tem uma natureza muito diversa, sendo consensual que assenta em processos com um horizonte de médio e longo prazo, acompanhados por níveis de incerteza significativos. Neste contexto, a missão das instituições científicas passa, naturalmente, pela aposta continuada na formação e capacitação dos seus recursos humanos, sendo este um mecanismo chave no processo de acumulação, expansão e transmissão do conhecimento. Ora, é completamente absurdo defender que a prossecução das atividades científicas “ (…) exige uma formação especializada dependente de durações temporais elevadas, que não deverá ser confundida com necessidades permanentes (…)” (sic), quando essa formação é parte integrante e indispensável do processo científico, devendo ocorrer ao longo de toda a carreira do investigador. Não obstante, com esta afirmação, sublinhamos o reconhecimento implícito do CRUP da formação como parte integrante do trabalho científico. Lamentamos, no entanto, que apesar desse reconhecimento, as instituições – que os membros do CRUP lideram – mantenham uma parte significativa dos seus trabalhadores científicos afastados de qualquer direito laboral básico, insistindo sistematicamente no recurso a bolsas de investigação científica e até boicotando a aplicação da legislação de combate ao exercício de trabalho científico com vínculos inadequados (DL 57/2016, PREVPAP).
A regularização de vínculos inadequados
A esmagadora maioria dos bolseiros, mesmo aqueles que usufruem de uma bolsa enquanto apoio à prossecução de formação pós-graduada (bolsas de doutoramento), assegura funções nevrálgicas das referidas instituições, como por exemplo a docência, as atividades de divulgação científica promovidas, ou atividades de gestão, para além, obviamente, da produção científica. Estas funções, integrantes de atividades permanentes das instituições e muitas vezes especificadas de forma ambígua nos planos de trabalho das bolsas, são não só asseguradas por trabalhadores com vínculos inadequados (contratados a prazo), como também por uma parte significativa dos bolseiros de investigação – de sublinhar que, neste caso, num contexto em que o seu estatuto não formaliza um qualquer vínculo laboral formal.
Os longos anos de más práticas de gestão de recursos humanos na administração pública – como as referidas acima – resultaram numa profusão de vínculos inadequados para as funções exercidas pelos trabalhadores, criando injustiças gritantes entre os diversos trabalhadores e o desrespeito pelos elementares direitos laborais. É neste contexto que o atual governo lançou o Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP). Com efeito, o PREVPAP foi desenhado para que os órgãos da administração pública corrigissem uma prática nefasta e injusta na gestão de recursos humanos: a manutenção de trabalhadores em condições contratuais precárias, face às atividades e responsabilidades que asseguram dentro dos referidos serviços.
É lamentável que os mais altos representantes das instituições científicas nacionais sejam incapazes de compreender que o PREVPAP não é um programa de contratação compulsiva de trabalhadores mas sim um programa de regularização de vínculos precários de trabalhadores que, no caso concreto das instituições científicas e dos bolseiros de investigação em particular, foram sujeitos a processos de recrutamento (concursos internacionais, nacionais e locais) onde, “o princípio do mérito” foi certamente respeitado de forma rigorosa e exigente, princípio este que é adicionalmente escrutinado por cada instituição aquando de cada renovação e/ou novo processo de recrutamento. Com este comunicado do CRUP ficámos a perceber que a não aplicação do PREVPAP por parte das instituições nada tem a ver com questões orçamentais mas com questões de mérito. Ao referir que o PREVPAP não garante que o princípio do mérito seja assegurado na contratação da administração pública, estará o CRUP a admitir que muitas das contratações precárias não são guiadas por critérios de mérito? É que o PREVPAP visa a regularização de vínculos e não a regularização de regras dos concursos. Não se compreende ainda a indefinição do conceito de mérito em função da natureza do vínculo, especialmente quando as instituições mantêm uma ligação com os trabalhadores por vários anos.
Face a estas declarações, além de repudiar as afirmações proferidas pelos membros do CRUP, a ABIC exorta os membros da comunidade académica, em especial aqueles que têm a responsabilidade de fiscalizar a ação dos reitores – como é o caso dos membros do Conselho Geral das diversas instituições – a avaliar e censurar estas tomadas de posição desrespeitosas nomeadamente para os bolseiros (entre outros membros da comunidade académica).