Comunicado sobre as alterações ao Estatuto do Bolseiro de Investigação

Foi pu­bli­ca­do no dia 28 de agos­to, em Diário da República, o Decreto-Lei nº123/​2019 que in­tro­duz al­te­ra­ções ao Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI). Os tra­ba­lha­do­res ci­en­tí­fi­cos com vín­cu­lo de bol­sa e a sua as­so­ci­a­ção mais re­pre­sen­ta­ti­va, a ABIC (Associação dos Bolseiros de Investigação Científica) não fo­ram con­sul­ta­dos em ne­nhum mo­men­to des­te pro­ces­so e, por is­so, é com na­tu­ra­li­da­de que tan­to nós co­mo inú­me­ros bol­sei­ros se têm con­fron­ta­do com inú­me­ras dú­vi­das. Mais uma vez, uma al­te­ra­ção fun­da­men­tal cul­mi­na num pro­ces­so es­tra­nha­men­te em­bru­lha­do no pe­río­do pré-elei­to­ral e de Verão e não en­vol­ve a ne­ces­sá­ria “con­sul­ta pública” . 

Um pri­mei­ro pon­to é que a atri­bui­ção de bol­sas pas­sa ago­ra a es­tar mais li­mi­ta­da, no­me­a­da­men­te a “tra­ba­lhos de iniciação à investigação” e “as­so­ci­a­dos à obtenção de graus… e di­plo­mas” e a “dou­to­ra­dos cu­jo grau académico te­nha si­do ob­ti­do há me­nos de três anos”. Esta é uma ver­são li­mi­ta­da do que o MCTES, a de­ter­mi­na­da al­tu­ra, afir­mou pre­ten­der e abre as­sim a por­ta a mo­da­li­da­des que es­tão ain­da por es­cla­re­cer o que sig­ni­fi­cam e que abran­gên­cia têm. Três exemplos:

 

  • A ex­pres­são “tra­ba­lhos de iniciação à investigação” é pou­co es­cla­re­ce­do­ra e no pas­sa­do ex­pres­sões va­gas abri­ram sem­pre ca­mi­nho à uti­li­za­ção abu­si­va das bolsas. 
  • A in­tro­du­ção da ex­pres­são “di­plo­mas” po­de vir a ser usa­da de for­ma per­ver­sa e obri­gar tra­ba­lha­do­res que ho­je de­sem­pe­nham fun­ções nos cen­tros de in­ves­ti­ga­ção a ins­cre­ve­rem-se obri­ga­to­ri­a­men­te num qual­quer curso/​diploma sem que is­so cor­res­pon­da ne­ces­sa­ri­a­men­te a uma von­ta­de sua ou a qual­quer acrés­ci­mo de uti­li­da­de na pres­ta­ção do seu trabalho.
  • Um dou­to­ra­do não po­de­rá de­sen­vol­ver, em ne­nhu­ma cir­cuns­tân­cia, tra­ba­lhos de pós-dou­to­ra­men­to na ins­ti­tui­ção on­de ob­te­ve o Doutoramento. Esta proi­bi­ção co­lo­ca do la­do do tra­ba­lha­dor o ris­co de fi­car de­sem­pre­ga­do e de es­tar li­mi­ta­do ao lo­cal on­de vai tra­ba­lhar no fu­tu­ro e acres­cen­ta di­fi­cul­da­des à vi­da de mui­tos colegas. 

 

Um se­gun­do pon­to é que qual­quer li­mi­ta­ção à atri­bui­ção de bol­sas tem que ser acom­pa­nha­da por um me­ca­nis­mo efec­ti­vo de con­tra­ta­ção dos tra­ba­lha­do­res ci­en­tí­fi­cos pois ca­so con­trá­rio im­pli­ca­rá a ex­clu­são de mui­tos bol­sei­ros in­te­gra­dos há anos em equi­pas de in­ves­ti­ga­ção. Incompreensivelmente, so­bre is­to na­da se sa­be. Isto é mais gra­ve quan­do a re­cen­te in­te­gra­ção de dou­to­ra­dos por con­tra­tos ape­nas afec­tou uma pe­que­na par­te dos tra­ba­lha­do­res ci­en­tí­fi­cos. Como fi­cam aque­les sem dou­to­ra­men­to e que são fun­da­men­tais pa­ra os cen­tros de in­ves­ti­ga­ção no dia-a-dia? Como fi­cam aque­les que com dou­to­ra­men­to fi­ca­ram de fo­ra da nor­ma tran­si­tó­ria do DL57? Como fi­cam aque­les que aca­ba­ram ago­ra os seus Doutoramentos? Todos es­tes tra­ba­lha­do­res bol­sei­ros são, sem ex­ce­ção, fun­da­men­tais pa­ra o Sistema Científico e Tecnológico Nacional: que res­pos­ta tem o Governo pa­ra eles? Estas al­te­ra­ções têm lan­ça­do o pâ­ni­co en­tre co­le­gas e cen­tros de in­ves­ti­ga­ção e o Governo tem de ter uma res­pos­ta cabal.

A ABIC rei­te­ra que qual­quer al­te­ra­ção ao EBI, em ge­ral, vem sem­pre acom­pa­nha­da de efei­tos com­ple­men­ta­res pre­o­cu­pan­tes por­que o pro­ble­ma de fun­do con­ti­nua sem ser tra­ta­do. Os tra­ba­lha­do­res ci­en­tí­fi­cos es­tão su­jei­tos a um en­qua­dra­men­to que faz com que as bol­sas se subs­ti­tu­am aos con­tra­tos de tra­ba­lho que eram seus por di­rei­to. As nos­sas rei­vin­di­ca­ções são de lon­ga da­ta bem co­nhe­ci­das e cla­ras. No en­tan­to, o Governo e o MCTES não nos ou­viu e lan­ça um di­plo­ma que au­men­ta a in­cer­te­za e a dú­vi­da. Mais uma vez, os tra­ba­lha­do­res ci­en­tí­fi­cos não são tra­ta­dos com o res­pei­to que merecem. 

Com vis­ta a ob­ter es­cla­re­ci­men­tos, a ABIC irá so­li­ci­tar uma reu­nião com ca­rá­ter de ur­gên­cia ao MCTES, mas in­for­ma des­de já que re­jei­ta­rá al­te­ra­ções que sen­do apli­ca­das ce­ga­men­te e à for­ça ex­clu­am e im­pli­quem mai­o­res re­tro­ces­sos ou ain­da po­nham em ris­co o tra­ba­lho de co­le­gas que há anos são fun­da­men­tais e ne­ces­sá­ri­os nos seus cen­tros de in­ves­ti­ga­ção e no Sistema Científico e Tecnológico Nacional.