Considerando a preparação do Orçamento do Estado (OE) para 2022, a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) vem reiterar algumas das questões prementes relativas aos investigadores com bolsa:
Eliminação das taxas de entrega de teses
- Este é o momento de o Governo assegurar o cumprimento do que fora prometido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) durante o presente ano civil, no seguimento de exigências já antigas dos bolseiros e da ABIC: a eliminação das taxas requeridas pelas Instituições de Ensino Superior (IES) para entrega de tese ou para admissão a provas académicas.
Adiamento de entrega de teses sem pagamento adicional de propinas
- À semelhança do ano anterior, o OE deverá incluir uma norma específica que prorrogue o prazo de entrega de teses ou dissertações até ao final do ano lectivo 2021/2022 para todos aqueles que no ano lectivo de 2020/2021 tenham estado inscritos nos ciclos de estudo conducentes ao grau de mestre ou doutor nas IES públicas, sem que isso implique o pagamento adicional de propinas, taxas ou emolumentos.
- No entender da ABIC, e respondendo às necessidades reais dos investigadores com bolsa, a norma a integrar no OE para 2022 deve prever especificamente este adiamento em relação à entrega de teses ou dissertações e não em relação à defesa das mesmas. A defesa de teses ou dissertações depende de vários factores que são alheios aos investigadores, designadamente a constituição e funcionamento dos júris, pelo que esta norma deve prever o adiamento da entrega (único elemento da responsabilidade dos investigadores) até ao final do ano lectivo, sendo que a defesa poderá ocorrer depois desse momento. Deve também ser acautelado que a norma se aplique à totalidade do ano lectivo 2021/2022, apesar de inscrita no OE 2022, pelo que consideramos necessária uma referência aos seus efeitos retroactivos, com início em Setembro de 2021.
Isenção de propinas, taxas e emolumentos para bolseiros inscritos em cursos conferentes e não conferentes de grau
- Os bolseiros inscritos em cursos conferentes e não conferentes de grau não devem ser prejudicados pela alteração no Regulamento de Bolsas de Investigação, que permitiu às Universidades a manutenção da utilização do trabalho de investigadores com bolsa, quando o que se exigia era a sua contratação através de contrato de trabalho. Nenhum bolseiro pode ser obrigado a pagar para trabalhar ou para se candidatar a uma bolsa! Estes bolseiros devem estar isentos do pagamento de propinas ou de taxas de inscrição em cursos conferentes e não conferentes de grau, desde logo através da inclusão da sua elegibilidade para financiamento no âmbito dos respectivos projectos (elegibilidade prometida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, FCT, e MCTES há largos meses), situação que deve ficar plasmada no OE para 2022.
Actualização do valor do subsídio de manutenção mensal das bolsas
- Considerando o caminho encetado pela FCT e pelo MCTES de actualização do valor das bolsas de investigação nos últimos quatro anos, a ABIC entende que o valor do subsídio mensal de manutenção (SMM) pago aos bolseiros deve continuar a ser actualizado. Os valores do SMM pago aos bolseiros não tiveram qualquer actualização entre 2002 e 2018, enquanto que as actualizações realizadas entre 2018 e 2021 não corresponderam ao aumento do custo de vida no período anterior. A título de exemplo, no caso das bolsas de investigação para mestre, verifica-se que se tivessem sido actualizadas de acordo com a inflação, entre 2002 e 2019, corresponderiam neste momento a um valor próximo dos 1340€ (ou seja, quase 240€ acima do valor actual). Com a publicação do novo Regulamento de Bolsas de Investigação (RBI) da FCT (Regulamento n.º 950/2019), passou a estar prevista “a atualização dos subsídios mensais de manutenção para o ano em causa, tendo em consideração o valor da Retribuição Mínima Mensal Garantida fixada para o mesmo”. Tal formulação teve diferentes interpretações por parte da FCT, tendo existido um aumento percentual em 2020 (de 5,8%) e um aumento absoluto em 2021 (de 30€). Acresce que as bolsas que deixaram de estar mencionadas no novo RBI, mas que em muitos casos ainda se mantêm em vigor (por exemplo, as Bolsas de Gestão de Ciência e Tecnologia ou as Bolsas de Técnico de Investigação), não foram actualizadas da mesma forma que as restantes. Por fim, consideramos necessário referir que continuam a existir bolsas de investigação exercidas em regime de exclusividade (por via do Estatuto do Bolseiro de Investigação, EBI), cujo valor é inferior ao Salário Mínimo Nacional, nomeadamente as Bolsas de Iniciação Científica (BIC) (446,12€). Face a esta realidade, impõe-se que o OE para 2022 inclua:
- a correcção dos valores das bolsas que deveriam ter sido actualizados nos anos que passaram entre 2002 e 2018;
- a equiparação dos valores das bolsas de anteriores regulamentos aos valores das bolsas do RBI em vigor;
- o fim da existência de bolsas com remuneração inferior ao Salário Mínimo Nacional.
Reposição dos subsídios a bolseiros para participação em eventos científicos
- Desde 2012 que o subsídio anual para participação em eventos científicos foi substituído por um subsídio único entregue no início da bolsa de doutoramento no valor de 750€ para os quatro anos. A ausência destes subsídios limita profundamente a possibilidade de participação em eventos científicos. Repor estes apoios não é mais do que repor um direito que foi retirado aos bolseiros, visto que a divulgação científica em eventos nacionais e internacionais é parte fundamental do trabalho de investigação, devendo, por isso, ser contemplados em termos de subsídio.
Actualização dos subsídios complementares a bolseiros
- Tal como no caso dos valores das bolsas até 2018, os valores dos subsídios complementares mantêm-se inalterados desde 2003. Tal implica que os valores que hoje são atribuídos para apoios aos bolseiros sejam insuficientes considerando o aumento substancial da inflação. Assim, impõe-se um aumento dos subsídios complementares (Actividades de Formação Complementar, Apresentação de trabalhos em reuniões científicas, Subsídio único de viagem e Subsídio único de instalação), no mínimo na mesma proporção das subidas existentes para o subsídio mensal de manutenção desde 2018.
Re(definir) limites dignos para o reembolso dos pagamentos à segurança social dos bolseiros de investigação científica
- Estabelecendo o EBI o direito dos bolseiros a beneficiar de um regime próprio de segurança social – através do enquadramento do bolseiro no regime de Seguro Social Voluntário (SSV) –, urge corrigir as injustas responsabilidades das entidades financiadoras no reembolso dos encargos com os pagamentos das contribuições do SSV.
- No regime actual, as entidades só são obrigadas a reembolsar os encargos das contribuições do 1º escalão da tabela de remuneração convencional (ou seja, a contribuição resultante da aplicação da taxa contributiva de 29,6% a um rendimento equivalente ao Indexante de Apoios Sociais (IAS) – 438,81€, em 2021). Tal reembolso leva a que os bolseiros apenas se inscrevam nesse 1º escalão, levando a que apenas beneficiem de protecção social até ao limite desse valor, os 438,81€, implicando uma redução abrupta e substancial da remuneração mensal em casos, por exemplo, de doença ou parentalidade.
- Exercendo os bolseiros de investigação científica as suas actividades num contexto de grande precariedade, é incompreensível que as entidades financiadoras apoiem um regime de protecção social mais simbólico que efectivo, acentuando ainda mais as já de si desadequadas condições de dignidade e equidade na protecção social intrínsecas ao EBI. Neste contexto, é da mais elementar justiça assegurar, pelo menos, a obrigatoriedade de as entidades financiadoras reembolsarem todas as contribuições para a segurança social, num montante equivalente ao enquadramento do bolseiro no regime de SSV com um escalão de remuneração convencional próximo do valor do subsídio de manutenção mensal – por exemplo, uma bolsa de doutoramento de 1104,64€ (em 2021) deverá permitir ao bolseiro o reembolso de contribuições para a segurança social até ao montante de 324,72€, correspondente a um enquadramento do bolseiro no 4º escalão da tabela de remuneração convencional, equivalendo a 2,5 X IAS, ou 1.097,03€. Urge que esta medida seja implementada em sede de Orçamento do Estado.
A ABIC mantém como principal medida a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação, a substituição de todas as bolsas por contratos de trabalho e a efectiva integração na Carreira de Investigação Científica. Este é o passo que urge dar para pôr fim ao quadro de instabilidade e precariedade laboral para onde estão votados os investigadores, gestores e comunicadores de ciência em Portugal, e a um rumo insustentável de eternização de uma ciência sempre a prazo que não se coaduna com as exigências da investigação científica.