Mais de um quarto da população activa não está na concentração social

Mais de um quar­to da po­pu­la­ção ac­ti­va não es­tá na con­cen­tra­ção so­ci­al


In Público, 15 de Abril 2008

Trabalham sem vín­cu­lo per­ma­nen­te e mui­tos não au­fe­rem di­rei­tos so­ci­ais. Não se iden­ti­fi­cam com os sin­di­ca­tos e os par­ti­dos. São o no­vo pre­ca­ri­a­do. Hoje não es­tão na dis­cus­são dos par­cei­ros sociais

Cerca de 28 por cen­to da po­pu­la­ção ac­ti­va em Portugal são tra­ba­lha­do­res por con­tra pró­pria (1186 mi­lhões) e con­tra­ta­dos a pra­zo (684 mil), se­gun­do os da­dos pa­ra 2007 do Instituto Nacional de Estatísticas. Uma fa­tia de mais de um quar­to da for­ça de tra­ba­lho que for­ma o pre­ca­ri­a­do por­tu­guês e que não se sen­te re­pre­sen­ta­da nas for­mas clás­si­cas de re­pre­sen­ta­ção so­ci­al dos tra­ba­lha­do­res, os sin­di­ca­tos e os par­ti­dos.
Em al­ter­na­ti­va, os pre­cá­ri­os por­tu­gue­ses co­me­çam a en­sai­ar no­vas for­ma de or­ga­ni­za­ção, atra­vés de gru­pos de pres­são. Há já qua­tro des­ses gru­pos – FERVE – Fartos de Estes Recibos Verdes, Precários Inflexíveis, Intermitentes do Espectáculo e ABIC – Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ver fi­chas) – que, à ex­cep­ção da ABIC, es­tão or­ga­ni­za­dos no mo­vi­men­to May Day, o qual se ma­ni­fes­ta, des­de 2007, num blo­co in­de­pen­den­te do des­fi­le do Primeiro de Maio.
Mas re­cu­sam-se a as­su­mir-se co­mo es­tru­tu­ras de ti­po sin­di­cal ou re-
pre­sen­ta­ti­vas do pre­ca­ri­a­do. E fri­sam que não se iden­ti­fi­cam nem di­a­lo­gam com as cen­trais sin­di­cais, CGTP e UGT, que ho­je se sen­tam mais uma vez à me­sa da Concertação Social pa­ra dis­cu­tir o tra­ba­lho pre­cá­rio em Portugal, no âm­bi­to da re­vi­são do Código Laboral.

A “ge­ra­ção 500 eu­ros”
Vivendo da or­ga­ni­za­ção em re­de e das po­ten­ci­a­li­da­des que nes­se do­mí­nio as no­vas tec­no­lo­gi­as da co­mu­ni­ca­ção, em es­pe­ci­al a Web, pro­por­ci­o­nam, es­tes gru­pos de pres­são re­pre­sen­tam so­bre­tu­do os jo­vens pre­cá­ri­os ou aqui­lo que já se con­ven­ci­o­nou cha­mar “a ge­ra­ção 500 eu­ros”.
Porém, ao con­trá­rio da res­tan­te Europa, a es­pe­ci­fi­ci­da­de da si­tu­a­ção por­tu­gue­sa é es­te vín­cu­lo ser am­pla­men­te do­mi­nan­te tam­bém nas
ge­ra­ções mais ve­lhas, mu­lhe­res que re­gres­sam ao mer­ca­do de tra­ba­lho após te­rem fi­lhos e de­sem­pre­ga­dos de cur­ta, mé­dia e lon­ga du­ra­ção que tam­bém vol­tam à con­di­ção de em­pre­ga­dos.
Por ou­tro la­do, ao la­do dos pre­cá­ri­os, há ain­da sem re­pre­sen­ta­ção so­ci­al to­da a fai­xa de tra­ba­lho clan­des­ti­no que não es­tá re­pre­sen­ta­da nas for­mas clás­si­cas.
Professor do Departamento de Sociologia do ISCTE e in­ves­ti­ga­dor do CIES, an­ti­go se­cre­tá­rio de Estado, ac­tu­al con­se­lhei­ro es­pe­ci­al do mi­nis­tro do Trabalho e au­tor do Livro Branco e do Livro Verde do tra­ba­lho, António Dornelas lem­bra que “20 por cen­to do PIB é eco­no­mia pa­ra­le­la” e que pa­ra além do tra­ba­lho pre­cá­rio re­gis­ta­do há to­do um mun­do de su­bem­pre­go não re­gis­ta­do, pois os fal­sos re­ci­bos ver­des, mes­mo ile­gais, são de­cla­ra­dos às fi­nan­ças.
Garantindo não ter cer­te­zas so­bre co­mo po­de­rão ser so­ci­al­men­te re­pre­sen­ta­dos os pre­cá­ri­os, António Dornelas afir­ma ao PÚBLICO que o nú­me­ro ex­ces­si­vo que exis­te ho­je em Portugal se de­ve ao fac­to de “a es­tra­té­gia pre­fe­ri­da dos sin­di­ca­tos e dos go­ver­nos se­rem a ne­go­ci­a­ção da fle­xi­bi­li­da­de nas mar­gens”.
E ex­pli­ca que se “fle­xi­bi­li­zas­sem no cen­tro se­ria des­pe­dir os sem ter­mo e não os com ter­mo, que são as mar­gens”. Ou se­ja, “fa­zem uma seg­men­ta­ção en­tre in­si­ders e outsiders”. (…)

Quem dá a ca­ra pe­los precários

Uns la­men­tam que não ha­ja ASAE nas em­pre­sas, ou­tros quei­xam-se da es­qui­zo­fre­nia do país e do ex­ces­so de des­re­gu­la­men­ta­ção e al­guns lem­bram os bolseiros.

Ferve- Fartos de Estes Recibos Verdes
O Ferve foi fun­da­do no Porto, há um ano, por André Soares e Cristina Andrade, e há me­nos de um mês en­tre­ga­ram no Parlamento uma pe­ti­ção pa­ra que se­ja tra­va­da a con­tra­ta­ção de re­ci­bos ver­des no Estado e nos pri­va­dos. André Soares, jor­na­lis­ta de 28 anos, su­bli­nha a gra­vi­da­de da si­tu­a­ção: “Um quin­to da po­pu­la­ção ac­ti­va es­tá a re­ci­bo ver­de, es­te é o pro­ble­ma.” E ex­pli­ca que “as pes­so­as que­rem é tra­ba­lhar, acei­tam qual­quer coi­sa, não es­tão pre­o­cu­pa­dos com di­rei­tos so­ci­ais, pois mui­tos nem os co­nhe­cem”. Formado pa­ra dar vi­si­bi­li­da­de ao pro­ble­ma, o FERVE co­me­çou a fa­lar de ca­sos con­cre­tos e pôs as pes­so­as a fa­la­rem das su­as ex­pe­ri­ên­ci­as atra­vés de um blo­gue. “O FERVE não exis­te pa­ra mos­trar que so­mos re­bel­des e vi­mos pa­ra a rua. O que es­tá em cau­sa é a es­qui­zo­fre­nia de um país que tem li­cen­ci­a­dos al­ta­men­te pre­pa­ra­dos, que in­ves­te na for­ma­ção das pes­so­as e de­pois man­da-as em­bo­ra. Por 500 ou até 800 eu­ros por mês e sem vín­cu­lo, nin­guém se sen­te es­ti­mu­la­do pa­ra in­ves­tir nu­ma car­rei­ra”, con­clui. (http://​far​tos​des​tes​re​ci​bos​ver​des​.blogs​pot​.com)

Precários Inflexíveis
É o mais re­cen­te dos mo­vi­men­tos. Surgiu há me­nos de um ano pa­ra dar vi­si­bi­li­da­de aos pro­ble­mas aos pre­cá­ri­os. João Pacheco, de 27 anos, é um dos seus ac­ti­vis­tas. Explica: “A mi­nha ac­ti­vi­da­de é o jor­na­lis­mo, mas sin­to-me mais iden­ti­fi­ca­do com pro­ble­mas de ou­tros pre­cá­ri­os, do que com os jor­na­lis­tas que têm di­rei­tos. Gostaria mui­to de ter as mes­mas pri­o­ri­da­des dos ins­cri­tos no sin­di­ca­to, mas, nes­te mo­men­to, a mi­nha pri­o­ri­da­de é sa­ber quan­to vou ga­nhar.” Alerta pa­ra que “há uma mul­ti­dão de por­tu­gue­ses que es­tão em si­tu­a­ção de pre­ca­ri­e­da­de” já que, “ho­je, até os mé­di­cos nos hos­pi­tais tra­ba­lham à jor­na”. E de­fen­de: “Quando a si­tu­a­ção eco­nó­mi­ca é mui­to com­pli­ca­da e as pes­so­as não con­se­guem apli­car a lei na sua em­pre­sa, en­tão de­vem fe­char a em­pre­sa. Se ti­ver um res­tau­ran­te e não ti­ver di­nhei­ro pa­ra car­ne e ser­vir so­la de sa­pa­to, a ASAE fe­cha-mo. Nas em­pre­sas não há ASAE.” (http://​pre​ca​ri​o​sin​fle​xi​veis​.blogs​pot​.com)

Intermitentes do Espectáculo
Movimento cons­ti­tuí­do há um ano e meio que reú­ne do­ze or­ga­ni­za­ções (du­as são sin­di­ca­tos) de tra­ba­lha­do­res das ar­tes e es­pec­tá­cu­los. Sobre a sua lu­ta, Bruno Morais Cabral, téc­ni­co de ci­ne­ma e re­a­li­za­dor de do­cu­men­tá­ri­os de 27 anos, diz: “Precisamos de um re­gi­me mais exi­gen­te que ga­ran­ta di­rei­tos la­bo­rais e so­ci­ais.” E afir­ma que “o re­ci­bo ver­de é a for­ma mais ir­res­pon­sá­vel de es­ta­be­le­cer uma re­la­ção la­bo­ral, pois da par­te do Estado e do em­pre­ga­dor não há qual­quer res­pon­sa­bi­li­da­de.”
Os Intermitentes cri­ti­cam a re­cen­te re­vi­são da lei, pois o PS re­cu­sou a “equi­pa­ra­ção de di­rei­tos”. E la­men­ta: “A ide­o­lo­gia é ca­da vez mais a da des­re­gu­la­men­ta­ção, quan­do era pre­ci­so mui­to pou­co pa­ra re­sol­ver os pro­ble­mas reais.”

ABIC – Associação dos Bolseiros de Investigação Científica
A ABIC nas­ceu em 2002 e for­ma­li­zou-se em 2003, con­ta André Levy, bol­sei­ro de 27 anos. Este mo­vi­men­to de pre­cá­rio é o úni­co que não in­te­gra o May Day, mas des­fi­lam no Primeiro de Maio, co­mo mo­vi­men­to au­tó­no­mo. “Há cer­ca de 10 mil bol­sei­ros”, afir­ma André Levy, que aler­ta pa­ra o fac­to de que “o es­ta­tu­to de bol­sei­ro não é de tra­ba­lha­dor, es­te de­ve ser um pe­río­do tran­si­tó­rio pa­ra for­ma­ção”. Só que, pros­se­gue, “a for­ma co­mo as bol­sas são usa­das é co­mo se fos­se tra­ba­lho”. Isto por­que “há pes­so­as que são bol­sei­ros anos a fio, até 10 anos”. Ora, “os bol­sei­ros de lon­go cur­so são tra­ba­lha­do­res sem di­rei­tos, nem po­dem ins­cre­ver-se no se­gu­ro de saú­de da Fundação pa­ra a Ciência e a Tecnologia”. (www​.abic​-on​li​ne​.org)