Jovens investigadores insurgem-se contra inércia do Governo

Jovens in­ves­ti­ga­do­res in­sur­gem-se con­tra inér­cia do Governo
Bolseiros pe­dem qua­li­da­de no tra­ba­lho


In
O Primeiro de Janeiro, 2 de Julho 2007

O pro­tes­to dos bol­sei­ros da co­mu­ni­da­de de in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca saiu es­ta se­ma­na à rua. Os jo­vens in­ves­ti­ga­do­res re­cla­mam mais qua­li­da­de de tra­ba­lho ao po­der exe­cu­ti­vo. Bolseiros do Porto, Minho, Aveiro, Coimbra e Algarve reu­ni­ram-se em Lisboa. 

A se­ma­na foi de ma­ni­fes­ta­ções pa­ra os bol­sei­ros da co­mu­ni­da­de de in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca. O Ministério da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior de­pa­rou-se es­ta quin­ta-fei­ra ( dia 18 ) com uma fren­te de pro­tes­tan­tes que jun­tou lar­gas de­ze­nas de bol­sei­ros do País – le­va­do a ca­bo pe­la Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC). A ma­ni­fes­ta­ção te­ve lu­gar em Lisboa, mas a mar­cha co­me­çou na ma­nhã de quin­ta com a vi­a­gem de vá­ri­os bol­sei­ros oriun­dos do Porto, Minho, Aveiro, Coimbra e Algarve. Os bol­sei­ros da co­mu­ni­da­de de in­ves­ti­ga­do­res uniu-se, gri­tou em unís­so­no “so­mos tra­ba­lha­do­res” e “pro­du­zi­mos tra­ba­lho ci­en­tí­fi­co”. Ergueram fai­xas com co­la­gens dos seus tra­ba­lhos ci­en­tí­fi­cos pu­bli­ca­dos em re­vis­tas da área in­ter­na­ci­o­nais, pa­ra as quais co­la­bo­ram – “on­de pres­ti­gi­am Portugal”.
José Gomes, de 33 anos e João Queirós, de 25, es­tão as­so­ci­a­dos à ABIC, do nú­cleo do Porto e, em de­cla­ra­ções ao JANEIRO, la­men­tam “a si­tu­a­ção pre­cá­ria e sem se­gu­ran­ça fu­tu­ra de um bol­sei­ro”. Ambos fo­ram os me­lho­res alu­nos do cur­so. Gomes li­cen­ci­ou-se na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto em Química, fi­na­li­zou o dou­to­ra­men­to na mes­ma área, par­tiu pa­ra pós-dou­to­ra­men­to em Espanha (Barcelona) e re­gres­sou, na con­di­ção de bol­sei­ro pa­ra pros­se­guir com o pla­no de pós-dou­to­ra­men­to no de­par­ta­men­to de Química da U.Porto, on­de in­ves­ti­ga des­de 2001. “É pre­ci­so re­al­çar que os me­lho­res alu­nos, mes­mo sen­do o me­lhor do cur­so, têm que con­cor­rer a uma bol­sa e não são in­se­ri­dos nu­ma car­rei­ra ci­en­tí­fi­ca. Não há re­no­va­ção do sis­te­ma de in­ves­ti­ga­ção na­ci­o­nal”, cri­ti­cou o bol­sei­ro João Queirós, ao re­fe­rir que, tal co­mo o co­le­ga, tam­bém ele che­gou ao pó­dio de me­lhor alu­no da li­cen­ci­a­tu­ra de Sociologia, ins­cri­to na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). O bol­sei­ro es­tá com uma bol­sa de pro­jec­to BI (bol­sas de iden­ti­fi­ca­ção) e o ca­mi­nho se­rá o de con­ti­nu­ar a for­ma­ção aca­dé­mi­ca, en­ve­re­dan­do por um dou­to­ra­men­to na área de po­lí­ti­cas ur­ba­nas. Por seu tur­no, José Gomes é um ve­te­ra­no nas an­dan­ças das bol­sas da Fundação da Ciência e Tecnologia (FCT), en­ti­da­de en­rai­za­da no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O bol­sei­ro co­men­tou que os pós-dou­to­ra­men­tos além fron­tei­ras du­ram um má­xi­mo de dois anos – “pa­ra evi­tar a fu­ga de cé­re­bros”. “Uns re­gres­sam, ou­tros fi­cam nos paí­ses de aco­lhi­men­to, por­que en­con­tra­ram bons pro­jec­tos, e mui­tos de­les são pre­mi­a­dos”, acres­cen­tou José Gomes, no­me­an­do os Estados Unidos da América e Inglaterra co­mo os paí­ses de elei­ção pa­ra re­ce­ber os in­ves­ti­ga­do­res bol­sei­ros portugueses. 

Manifesto pa­ra
o re­co­nhe­ci­men­to
A ban­dei­ra de rei­vin­di­ca­ções da ABIC apre­sen­ta­da aos ór­gãos go­ver­na­ti­vos re­pre­sen­ta uma sé­rie de pon­tos, no sen­ti­do de for­ta­le­cer as con­di­ções de tra­ba­lho dos bol­sei­ros por­tu­gue­ses: ga­ran­tir que to­do o pes­so­al de in­ves­ti­ga­ção ci­en­tí­fi­ca ve­ja re­co­nhe­ci­do o tra­ba­lho que de­sen­vol­ve e dig­ni­fi­ca­da a sua con­di­ção, be­ne­fi­ci­an­do de um con­jun­to de di­rei­tos so­ci­ais bá­si­cos; aco­lher na le­gis­la­ção na­ci­o­nal as re­co­men­da­ções cons­tan­tes da Carta Europeia do Investigador; tra­var e in­flec­tir a ten­dên­cia pa­ra uma di­mi­nui­ção da atrac­ti­vi­da­de das car­rei­ras ci­en­tí­fi­cas; ga­ran­tir uma mai­or res­pon­sa­bi­li­za­ção das cha­ma­das ins­ti­tui­ções de aco­lhi­men­to; per­mi­tir uma ade­qua­da ar­ti­cu­la­ção com o con­jun­to do edi­fí­cio le­gis­la­ti­vo que en­qua­dra e re­gu­la a ac­ti­vi­da­de da ge­ne­ra­li­da­de dos tra­ba­lha­do­res ci­en­tí­fi­cos; pre­ver uma adap­ta­ção às mo­di­fi­ca­ções in­tro­du­zi­das no sis­te­ma ci­en­tí­fi­co e tec­no­ló­gi­co na­ci­o­nal pe­la im­ple­men­ta­ção do Tratado de Bolonha. A so­mar a es­ta lis­ta de re­cla­ma­ções, a as­so­ci­a­ção dos bol­sei­ros con­tes­ta ain­da a in­se­gu­ran­ça que o Seguro Social do Voluntário (SSV) re­pre­sen­ta. Ou se­ja, o SSV su­ge­re que o bol­sei­ro des­con­te me­di­an­te o sa­lá­rio mí­ni­mo que au­fe­rem. Ora, os bol­sei­ros ga­nham uma bol­sa – que se for mí­ni­ma che­ga aos 745 eu­ros – não cor­res­pon­den­te ao sa­lá­rio mí­ni­mo na­ci­o­nal. Portanto, o SSV é “pa­ra­do­xo”.
A ABIC nas­ceu a 2003, em Lisboa, ra­mi­fi­can­do-se por vá­ri­os pó­los uni­ver­si­tá­ri­os do País. No Porto, o nú­cleo for­mou-se há cer­ca de seis me­ses. Coimbra e Braga alis­tam-se no cor­po da Associação de Bolseiros, ao pas­so que Évora e Trás-os-Montes apre­sen­tam-se co­mo re­giões ain­da “pa­ra­das” pa­ra aque­la mo­vi­men­to. No ter­ri­tó­rio na­ci­o­nal exis­tem en­tre oi­to e dez mil bol­sei­ros, um nú­me­ro in­cons­tan­te, que va­ria con­so­an­te as en­tra­das e saí­das nos pro­jec­tos de in­ves­ti­ga­ção dos bol­sei­ros. No uni­ver­so do Porto exis­tem en­tre 1.500 e dois mil bolseiros. 

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No de­grau
“mais pre­cá­rio”
Uma bol­sa da FCT de ini­ci­a­ção pa­ra li­cen­ci­a­dos ofe­re­ce 745 eu­ros por mês, já pa­ra um mes­tre a bol­sa cor­res­pon­de a 980 eu­ros, bem co­mo pa­ra o dou­to­ra­men­to. O mon­tan­te cres­ce se a bol­sa atri­buí­da for en­de­re­ça­da a um pós-dou­to­ra­men­to, pau­tan­do-se nos 1.495 eu­ros. No en­tan­to, não exis­te qual­quer vín­cu­lo à ins­ti­tui­ção pa­ra a qual os bol­sei­ros in­ves­ti­gam. Mais: “Se um bol­sei­ro ti­ver que de­sem­pe­nhar fun­ções de se­cre­ta­ri­a­do tam­bém de­sem­pe­nha”. “A vi­da é mui­to in­de­fi­ni­da, aca­bam-se as bol­sas pas­sa-se a re­ci­bos ver­des, vi­ve-se no de­grau mais pre­cá­rio, fo­ra da Lei Geral do Trabalho”, avi­sou João Queirós. Já o co­le­ga José Gomes cha­mou a aten­ção pa­ra a di­fi­cul­da­de que é pa­ra “um bol­sei­ro pe­dir um em­prés­ti­mo ao ban­co, alu­gar uma ca­sa”. “Queremos um con­tra­to de tra­ba­lho com des­con­tos, e com con­di­ções de se­gu­ran­ça so­ci­al”, rematou.